por Roberto Sinay Neves
Com o lançamento do Watch, a Apple entra num novo segmento. E, com essa entrada, previsões das mais variadas vertentes aparecem:
“Não vai dar certo!”
“Vai acabar com os relógios convencionais!”
“Só vai dar ele como smartwatch!”
E por aí vai.
Nem tanto ao mar, nem tanto a terra. Se não, vejamos:
Sem dúvida, o Watch tem mais chance de ser bem sucedido no segmento do que os concorrentes, seja pela qualidade do projeto, seja pelo ecossistema da Apple que integra e torna cada novo produto um potencial sucesso de vendas.
Não, ele não é uma joia. Ser de ouro ou custar mais caro não o torna tal. Joia não sofre obsolescência, ele sim. Um Rolex dura e se mantém atual e perfeitamente usável por décadas. Um produto tecnológico, não. Ainda sobre isso: se a pessoa quer ostentar, mostrar status, um Rolex/Omega é o que há. Ponto. Um Apple Watch “ostenta” tanto quanto um iPhone… será mesmo? Isto, é claro, falando no âmbito mundial. No Brasil, onde os produtos sofrem distorção por causa da política tributária, qualquer produto de US$500, fica para lá de caro. Em muitos países, entretanto, ele é um produto mais acessível, mais “dentro da realidade”, que não é símbolo de status. Por US$1.000 pode-se comprar lá fora um TAG Heuer ou um Apple Watch com uma pulseira melhor. O que é ostentar, então? É uma linha muito tênue, que apenas o uso e os relacionamentos pessoais de cada um vão determinar.
A sua importância depende do uso e do perfil de quem comprar. Eu, por exemplo: tenho MacBook, um iPad e um iPhone há tempos. Mas nunca usei nada da Apple para correr, fazer isso com um smartphone não faz parte do meu perfil. Logo, também não usarei o Watch para tal atividade. E por aí vai. Cada um vai encontrar os melhores usos para ele.
Por mais que a Apple tenha produtos ótimos e venha ganhando mercado e escala incontestáveis, nenhuma empresa sozinha determina o mercado. A Apple mudou o mercado de smartphones mas continua com concorrentes (ainda bem) e, apesar de deter a maior fatia do lucro, seu sistema operacional não domina o mercado (e faz todo sentido que seja assim).
Assim, nenhum produto de uma só marca mata, sozinho, uma categoria. A tecnologia, sim (máquina de escrever vs. computador).
Claro que existe concorrência de onde menos se espera. Por exemplo: se eu pretendo viajar para os EUA com minha família e para isso deixo de trocar de carro, então a agência de viagem é concorrente do carro naquele momento. Assim como o iPhone é concorrente de relógios quando o consumidor deixa de comprá-lo para adquirir um celular.
Um relógio Tommy Hilfiger de R$400 pode sofrer com a concorrência do Watch, assim como um Victorinox. Mas determinar que as vendas vão despencar por causa dele é assumir variáveis que não conhecemos ainda e, na minha opinião, improváveis.
A quantidade de pessoas que vai deixar de comprar um Rolex Submariner (de aço) de US$9.000 para comprar um Apple Watch Edition de US$10.000 é pequena, são produtos diferentes. E complementares. Explico: nesse caso, quem tem um Rolex (ou similar) tem um estilo de vida cujo produto está adequado — velejar, mergulhar ou mesmo ir a uma festa. Para outras ocasiões, como correr ou estar conectado numa reunião ou outro compromisso, o Watch pode ser mais útil. Essa complementação é que, na minha opinião, vai ser a tônica do Watch. Eu, por exemplo, tenho um relógio melhor para sair, ir a um evento, festa, etc. E outro para correr. Sim, o Watch vai além de um relógio de corrida, logo eu poderia usá-lo mais. Porém, sem ser a prova d’água, limita seu uso.
Eu tendo a usar meu relógio “mais especial” para os 15 anos de minha filha, no lugar de um Watch. Mas, claro, depende do perfil de cada um. Quem não dá valor a relógios usaria um Watch para quase todos os usos. Já quem gosta, como é o caso de um dono de Rolex, vai dar o uso a cada ocasião.
Esse é o ponto. Quem gosta de relógio compra relógio. Que duram. Podem comprar um Watch para usar TAMBÉM. Quem gosta de gadget compra o Watch e, em algum momento, um relógio convencional. Ninguém precisa de relógio para ver as horas. Ou se usa por hábito, ou por status — como uma joia ou reflexo da personalidade, ou por serviços agregados.
O mundo não vai se acabar, nem mudar da noite para o dia. Outros produtos virão, tecnologias novas também. Produtos morrerão por causa da tecnologia, não por um produto novo especificamente.