As discussões sobre os direitos civis relacionados à propriedade digital e os aparelhos eletrônicos são profundas e cheias de nuances — afinal, é difícil definir o que é propriedade e o que é invasão de privacidade quando estamos falando de bits e bytes num pedaço de silício, e não de objetos pessoais guardados num cofre, por exemplo. Recentemente, uma corte dos Estados Unidos chegou a um consenso bem importante em relação ao assunto.
Uma decisão publicada no último dia 10 pela Corte Distrital do Norte da Califórnia negou a investigadores de um caso um mandado para desbloquear dispositivos encontrados na propriedade de um suspeito. Segundo a decisão, tal mandado “desrespeitaria a Quarta e a Quinta Emendas” da Constituição dos EUA, que protegem os cidadãos contra buscas e apreensões arbitrárias e contra abusos de autoridade estatal, respectivamente.
A investigação em questão diz respeito a uma suposta tentativa de chantagem, onde um suspeito ameaçou publicar um vídeo “constrangedor” da vítima caso o pagamento de uma certa quantia não fosse realizado. Os investigadores, então, solicitaram um mandado que os autorizasse obrigar o suspeito a desbloquear qualquer dispositivo protegido por biometria como impressões digitais, leitura facial ou de íris.
O juiz Kanis Westmore negou o pedido, considerando-o muito amplo — caso os investigadores tivessem solicitado acesso a um dispositivo específico, como um smartphone ou computador, a decisão poderia ser diferente. Além disso, Westmore decidiu que o governo e a polícia não podem utilizar as informações biométricas de um usuário para forçar o desbloqueio de um dispositivo, já que isso iria contra o princípio que desobriga cidadãos de produzir provas contra si mesmos.
A decisão é importante porque põe os desbloqueios biométricos sob a mesma esfera de proteção das senhas. Como já comentamos aqui em casos anteriores, a legislação americana proíbe que agentes da lei obriguem um cidadão a dizer sua senha de acesso (seja de um dispositivo ou de uma conta) já que essa é uma propriedade intelectual e o estado não pode forçar acesso ao pensamento do indivíduo. O terreno era menos claro em relação a informações biométricos, como impressões digitais ou o formato do rosto, já que esses são elementos físicos, existentes no mundo real — agora, a decisão pode estabelecer um padrão para esse tipo de bloqueio.
A polícia, claro, pode obter as informações necessárias para a investigação por outros meios, seja especificando os dispositivos que querem investigar ou solicitando acesso às informações da conta do suspeito à Apple, ao Google ou ao Facebook, digamos. Ainda assim, fica o lembrete de que, mesmo na era dos desbloqueios biométricos, você ainda tem direitos em relação à sua privacidade.
via AppleInsider