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iPhone: entre o popular e o competitivo

Colaboração especial por Márcio Pimenta.

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Certa vez, ainda na graduação, ouvi um professor contar uma história bastante interessante: ele citava um diálogo que houve entre um fabricante de alto-falantes automotivos e um ministro. Este teria perguntado ao fabricante se os preços da nova linha dos modernos alto-falantes não estavam fora do poder aquisitivo dos brasileiros e recebeu uma resposta acompanhada de um discreto sorriso: “Ministro, o Brasil é o único país do mundo onde as pessoas, ao adquirirem um carro, se preocupam primeiro com o sistema de som e somente depois, se lhes restar alguma poupança, com o seguro do veículo.”

Esta breve história é necessária para entender o debate que se criou entre os leitores de MacMagazine, revoltados com os possíveis preços que serão praticados pelas operadoras na venda do aparelho ao consumidor final. Fiz questão de ler os mais de 200 comentários do artigo de ontem e acho que poderíamos classificar os leitores entre os “decepcionados” (devido ao seu poder aquisitivo), os “conformistas” (que compararam o preço do aparelho com outros já existentes no mercado) e, por fim, os “realistas” (que afirmam que o iPhone não é para o “povão”). Todos têm razão, mas não pelos motivos apresentados.

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Mas quais seriam eles?

O grupo dos “decepcionados” tem toda a razão de achar um absurdo um gadget custar cerca de R$2.000 (mesmo R$1.000 seria proibitivo para grande parte do grupo) e se sente explorado pelas operadoras, chegando a cogitar a criação do MSiP (Movimento dos Sem iPhone), possivelmente realizando passeatas em frente ao Palácio do Planalto com o pedido de “fim às operadoras imperialistas”.

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O iPhone é caro, mesmo que chegasse ao mercado ao módico preço de R$500, como esperavam alguns. E por que é caro? Por duas razões: 1) a tecnologia é de ultima geração e, portanto, é a mais cara, em qualquer país do mundo, e 2) a renda per capita do brasileiro. Alguns estudos mostram que ganhar acima de R$1.500 é um luxo de que pouquíssimos no Brasil podem desfrutar. Acima de R$4.000? Raros. E a compra do iPhone, mesmo a R$500, implicaria em destinar cerca de 30% do seu salário a um aparelho de telefone — somente como referência, este é o mesmo percentual que os bancos exigem como garantia mínima para a compra da casa própria. Outro fator que deve-se levar em conta é que caso você classifique-se neste grupo, significa que verificar emails a cada minuto não faz parte de seu cotidiano, digamos, normal. Se for o caso, a empresa certamente já disponibiliza para você tal equipamento (com sorte, em breve, será um iPhone) e com os custos cobertos por ela. Portanto, este grupo deve entender que sejam R$500 ou R$2.000, o iPhone (e uma série de outras tecnologias) ainda é um sonho distante.

O grupo dos “conformistas” — que apresenta os equipamentos concorrentes como base comparativa e diz que no Brasil é assim mesmo: “Somos sempre explorados!” — deve entender que o Brasil é pouco competitivo. Muito pouco. “Mas como ‘somos pouco competitivos’, se somos a maior economia da América Latina e o Chile, que tem uma economia menor que São Paulo, vende iPhones a R$500?”, poderiam argumentar e mais uma vez estariam errados. O capitalismo, como todos sabem, visa ao lucro e nenhuma empresa venderá iPhones a preço de custo porque isto seria uma “conquista social” para o povo.

Mas os governos modernos já sabem que são os consumidores internos quem garantem a estabilidade econômica do país, numa eventual crise externa. Estes governos deixaram de observar o “povo” como um fardo que tinham de carregar e agora os vêem como consumidores. E é para a demanda (e não para a oferta) que a economia passou a ser direcionada: estrutura de impostos mais justa, melhor distribuição de renda etc., etc. O resultado é que os gadgets chegam ao consumidor ao menor preço possível, sem afetar a margem de lucro das empresas, que por sua vez agora necessitam vender muito mais para terem o mesmo faturamento anterior a esta nova estrutura econômica.

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Quem ganha? Os consumidores, claro. O exemplo do Chile não foi à toa. Vivo neste país e carros (mesmo importados do Brasil), custam de 3 a 5 vezes menos que no Brasil. Mais. Em terras tupiniquins, muitos veículos estão ultrapassados tecnologicamente, ou alguém aí acha que o “novo” Peugeot 207 é realmente novo? Esse modelo só existe no Brasil! O modelo 207 vendido no resto do mundo é completamente diferente. O mesmo para o Corsa, o Palio, o Vectra e por aí vai.

Vejamos o gráfico abaixo, que mostra o ranking dos países da América Latina na hora de se fazer negócios (estudo Doing Business 2009, do Banco Mundial). Cingapura serve apenas como referência aos demais países. O Brasil está entre os piores países da América Latina para se abrir uma empresa; o Chile é o melhor. Apenas para se ter uma idéia, no Brasil abrir uma empresa leva cerca de 150 dias; no Chile, são 20. Na Austrália? 4. Fechar um empresa no Brasil é quase impossível. Isso só mostra que mesmo com o maior mercado consumidor latino-americano, é mais fácil e mais rápido para um empresário abrir uma empresa na Argentina ou no Chile do que no Brasil. A estrutura de custos e burocracia no Brasil é um caso assustador e, claro, tudo isso irá se refletir no preço final dos produtos.

O Brasil ainda não despertou para essa nova realidade econômica e isto nos leva ao terceiro e último grupo, os “realistas”. Estes acreditam que deve ser assim mesmo, um celular para “as elites” e outro para o “povão” — para eles, não existe a classe média. Concordaria com este grupo se estivéssemos falando de uma economia normal, onde a distribuição de renda fosse mais eqüitativa, a economia fosse mais competitiva etc. Mas, como vimos acima, o Brasil não é nada disso. Pior para todos. Pior porque toda tecnologia demora mais para chegar às terras brasileiras (o Chile foi o primeiro país do mundo a receber o novo Blackberry, frente aos Estados Unidos e à Europa) e, quando chegam, os valores são sempre mais altos; ou você acha que o Brasil detém o “mérito” de ser um dos países onde o iPod custa mais caro, por acaso do destino?

As “elites” pagam mais caro do que a classe média da Europa e dos EUA e se consideram diferenciadas do “povão” por este motivo. Eu mesmo já vi pais de amigos de classe média contando — entre um misto de orgulho e de indignação — que a mensalidade escolar está um absurdo. Paciência; este é o custo de pensar que “povão” não deve ter celular. Consomem produtos de tecnologia defasada porque o fabricante sabe que não há escala de consumo para montar (ou mesmo importar) o 207 de ultima geração. Que fiquem com o modelo recauchutado, mesmo. E é pior também para o “povão”, pelos motivos apresentados entre os “decepcionados”. Com um mercado consumidor maior (melhor distribuição de renda), as empresas não pensariam duas vezes em lançar o iPhone ao mesmo tempo em que isso for feito nos EUA ou na Europa.

De qualquer forma, o MacMagazine já tinha feito um artigo comparando se é melhor ter um iPhone ou um iPod touch; vale a pena fazer uma releitura. Mas não se sinta mal se não puder ter nenhum dos dois; o Brasil é apenas uma economia pseudo-capitalista.

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