Desde sempre, computadores são vendidos por fabricantes com o indicativo da capacidade dos seus drives (sejam HDDs ou SSDs) informada de maneira comercial/arredondada. Em 2008, inclusive fizemos um artigo explicando bem essa questão da “capacidade real” de discos rígidos. E todos sempre souberam que, daquele total, uma certa parte é dedicada ao sistema operacional e aos aplicativos que nele vêm pré-instalados.
Nos últimos anos, vimos a popularidade crescente dos smartphones e tablets — que nada mais são do que computadores modernos/portáteis e, ao menos no aspecto acima, funcionam e são promovidos da mesmíssima forma. O que varia é a capacidade dos drives em si e o quanto diferentes versões de sistemas operacionais móveis e seus apps ocupam nos aparelhos assim que são ligados nas configurações de fábrica.
Posto isso, muito me impressiona o processo movido pela PROTESTE – Associação de Consumidores contra a Apple e a Samsung na Justiça de São Paulo. Ela alega justamente que ambas estão mentindo em suas propagandas, promovendo capacidades irreais (indisponíveis para os usuários) em seus smartphones e tablets, e exigindo que ambas “paguem indenização por perdas e danos correspondente ao valor de cada gigabyte de memória livre não entregue”.
Ela até preparou tabelinhas demonstrando isso, veja:
iPhones
Modelo | Declarado (GB) | Disponível (GB) | Faltante (GB) | Diferença | Cartão de memória? |
---|---|---|---|---|---|
iPhone 6 | 16 | 14,7 | 1,3 | 8% | Não |
iPhone 6 | 64 | 62,7 | 1,3 | 2% | Não |
iPhone 6 | 128 | 126,7 | 1,3 | 1% | Não |
iPhone 5s | 16 | 14,7 | 1,3 | 8% | Não |
iPhone 5s | 32 | 30,7 | 1,3 | 4% | Não |
iPhone 5s | 64 | 62,7 | 1,3 | 2% | Não |
iPads
Modelo | Declarado (GB) | Disponível (GB) | Faltante (GB) | Diferença | Cartão de memória? |
---|---|---|---|---|---|
iPad Air | 16 | 12,13 | 3,9 | 24% | Não |
iPad Air 2 | 64 | 51,6 | 12,4 | 19% | Não |
iPad Air 2 | 32 | 26,74 | 5,26 | 16% | Não |
iPad Air 2 | 16 | 10,2 | 5,8 | 36% | Não |
iPad mini 2 | 16 | 12,4 | 3,6 | 23% | Não |
iPad mini 2 | 32 | 26,9 | 5,1 | 16% | Não |
iPad mini 2 | 64 | 58 | 6 | 9% | Não |
iPad mini 3 | 16 | 10,2 | 5,8 | 36% | Não |
iPad mini 3 | 64 | 50,5 | 13,5 | 21% | Não |
No caso da Samsung, segundo as tabelas da PROTESTE, a coisa é ainda pior.
Eu até entendo a alegação dela — no comecinho de 2014 publicamos aqui no site um infográfico comparando justamente a capacidade “usável” de smartphones de 16GB, de várias marcas —, só não entendo a PROTESTE restringir o seu caso à Apple e à Samsung, bem como a smartphones e tablets. Me corrijam se eu estiver errado, mas *nunca* vi nenhuma fabricante de computador, smartphone ou tablet vender o aparelho destacando somente a capacidade livre para o usuário.
A PROTESTE afirma que, se conseguir que as empresas sejam obrigadas a pagar indenização, os valores serão revertidos para um fundo criado pela Lei de Ação Civil Pública. O foco na Apple e na Samsung mostra claramente que a Associação resolveu mirar apenas as duas empresas mais populares do momento, consequentemente com mais dinheiro para despender num processo dessa natureza.
No rodapé de todas as páginas do seu site onde são informadas capacidades de dispositivos, a Apple indica: “1 GB = 1 bilhão de bytes. A capacidade real após a formatação é menor.” Ainda assim, a PROTESTE diz estar embasada em “vários artigos do Código de Defesa do Consumidor (CDC)” e inclusive demanda, por meio de liminar, uma “alteração urgente das ofertas”.
Para mim, falta coerência no caso e vejo pouquíssima probabilidade de sucesso visto que, embora ele seja focado em Apple e Samsung, isso abriria um precedente contra *qualquer* outra fabricante de computadores (desktops e laptops), smartphones e tablets que atue no Brasil. Se algo dessa natureza tivesse que ser mudado por aqui, que fosse feito na década de 1990; esse pessoal estava pensando o que, esse tempo todo?
[dica do Ricardo Costa, via Convergência Digital]