Queima de estoque na Amazon.com? Não! Foi queima de arquivo mesmo, num episódio triste que envolveu o desaparecimento das obras de George Orwell compradas por centenas de donos do Kindle, que acordaram numa bela manhã e descobriram que não tinham mais acesso aos livros.
Se eu não já estivesse acostumado com as idiossincrasias norte-americanas, até que estaria promovendo uma petição online para forçar o Jeff Bezos (CEO da gigante de e-commerce) a cancelar o contrato com a editora sem juízo que detém os direitos sobre as obras até 2044. Se você pagou por e recebeu algo que comprou, acredito eu que você se torne dono do objeto, certo? Parece que não!
Se já não bastassem as entrelinhas dos termos de uso — você paga e ainda querem te dizer como você vai usar — presentes em DVDs, CDs, arquivos MP3 e afins, agora com a proliferação dos livros eletrônicos nós teremos que nos acostumar com a ideia de o livro que está em nossas estantes — sejam elas digitais ou não — estarão sujeitos aos melindres dos contratos entre as editoras e as livrarias.
Eu gostaria de acreditar que este é um caso isolado e que a culpa é do subversivo do Orwell — que sempre nos instigou a estar de olhos abertos para quaisquer formas de totalitarismo, que nos inspirou a pensar diferente e até a comprar Macintoshes.
No entanto, a verdade é um pouco mais sorrateira, conforme nos diz o colunista David Pogue, do jornal The New York Times. Apesar de ter creditado os valores de volta às contas dos clientes prejudicados, a Amazon ao que parece privilegia o bom convívio e a “plena” atenção aos interesses das editoras em detrimento do seu relacionamento com e da satisfação dos clientes. Em uma analogia com o mundo real, é como se de repente algum editor louco resolvesse que seus livros são ilegais e ele DEVE invadir a sua casa e pegar de volta todas as obras de um determinado autor, deixando um cheque sobre a sua mesa.
O TechCrunch nos recorda ainda do famoso recurso “kill switch” que a Apple implantou nos iPhones e cuja existência foi confirmada por Steve Jobs no ano passado. Entretanto, trata-se de uma medida de segurança para evitar que aplicativos maliciosos danifiquem o aparelho — algo que definitivamente não aconteceu no caso da Amazon.
Mesmo que reconheça a estupidez da atitude tomada, a Amazon não deixa de sair chamuscada no final dessa história, que ironicamente se encaixa no cenário que os livros deletados retratam. Com a entrada da Barnes & Noble no mercado digital e o aquecimento das vendas, este é o pior dos momentos para que a indústria editorial seja associada a escândalos envolvendo direitos sobre posse e uso de títulos.
Bezos, é melhor ficar de olho para não encontrar com o O’Brien.
[Dica do Bruno Santos, obrigado!]