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Justiça brasileira determina Apple a desbloquear iPad de dono que esqueceu sua senha

iPad bloqueado

por Gustavo Jaccottet Freitas (advogado)

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A perda ou o esquecimento de senhas é algo bastante peculiar e que exige um cuidado redobrado pois pode acontecer com qualquer um de nós. É recomendável sempre ter as suas senhas armazenadas no local mais seguro que existe — na nossa memória —, mas nem sempre é isso que ocorre (ainda mais com a quantidade enormes de senhas que precisamos lidar). Por conta disso, há apps especialmente criados para essa tarefa (como o 1Password). Mas vamos ao que interessa.

Recentemente a Apple Brasil foi obrigada a “desbloquear” um iPad de um usuário que esqueceu a senha que havia registrado quando comprou o aparelho nos EUA, em 2011. À época, o autor da ação criou um nome de usuário e senha para a ativação do aparelho. Posteriormente ele se desfez do iPad, dando-o para a sua mãe.

Ocorre que o iPad apresentou um daqueles problemas que necessitam de uma restauração completa (voltando às configurações de fábrica). E como se trata de um procedimento que “apaga” todas as informações presentes no tablet, a Apple utiliza alguns protocolos de segurança dentre os quais a exigência da inserção do nome do usuário e da senha usados para o acesso ao iCloud. Como o autor da ação havia se esquecido da senha (talvez porque a tivesse criado apenas para ativar o aparelho), esse procedimento não pode ser realizado.

iPad bloqueado

iPad bloqueado, via Shutterstock.

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Em contato com a Apple, a empresa argumentou que só seria possível efetuar o desbloqueio mediante a apresentação da nota fiscal do aparelho. Aqui o caso já causa certa estranheza. A Apple dificilmente exige a apresentação da nota fiscal de qualquer aparelho vendido. No caso do autor da ação, nem nota fiscal havia pois o aparelho foi adquirido nos EUA, onde não se emite uma nota fiscal e sim um simples comprovante de compra (invoice). Insatisfeito com o serviço prestado pela Maçã, o autor da ação, que também é advogado, resolveu tomar uma série de providências as quais eu explicarei a seguir.

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Em 22 de dezembro de 2014, o autor promoveu uma ação ordinária com pedido de antecipação de tutela a fim de que a Apple Brasil, em caráter de urgência, promovesse o desbloqueio do iPad do autor pois a conduta praticada pela empresa é abusiva e estava impedindo que o device fosse utilizado. No pedido, ele solicitou a realização do desbloqueio do aparelho ou o fornecimento de um aparelho novo, hábil a ser utilizado. Ainda pediu que a Apple seja condenada por danos morais.

Há de se dividir a explicação do caso em duas etapas. A primeira diz respeito ao pedido feito em caráter de urgência, conhecido como pedido liminar; o segundo momento diz respeito ao pedido de danos morais.

No que diz respeito à liminar, a petição inicial foi recebida em caráter de urgência pelo juiz plantonista Luiz Malato (quando o poder judiciário não está no seu expediente normal, há sempre um juiz de plantão para decidir casos urgentes), o qual, em 26 de dezembro não só deferiu o pedido, entendendo que a Apple estava exercendo seu poder de forma a violar os direitos previstos no CDC (Código de Defesa do Consumidor), como ainda estava realmente impedindo que o aparelho fosse devidamente utilizado.

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Para tanto despachou no sentido de que a Apple realizasse o desbloqueio num prazo de 24 horas, sob pena de multa de R$2.000 para cada dia de descumprimento da medida. A medida liminar foi surpreendente, pois já presenciei casos muito mais graves e urgentes não serem julgados pelo juiz de plantão, tendo que aguardar pelo menos 48 horas por uma solução. Mas ao que parece havia um interesse nobre por trás deste processo: o autor queria presenteá-lo a uma tia a qual estava se recuperando de um problema cardíaco.

Outro ponto que me chamou a atenção foi o valor da multa diária extremamente alta para o caso concreto (só para vocês terem ideia, aqui no Rio Grande do Sul esse valor dificilmente chega a R$200). Ao que me parece, existe por parte do poder judiciário uma clara antipatia por parte da forma como a Apple vem tratando os seus clientes aqui no Brasil. Isto tem sido notado não apenas por mim, mas por muitos outros advogados que têm levado problemas que seriam de fácil resolução ao judiciário, pois a Apple simplesmente se abstém de tratar os seus usuários de forma digna, tal qual determina o CDC.

O segundo caso diz respeito aos danos morais. Uma medida liminar não significa que a Apple foi condenada a algo, e sim que um juiz determinou que ela realizasse alguma conduta necessária à proteção do direito de uma determinada pessoa. A condenação por danos morais, caso ocorra, virá no final do processo, e daí sim o título deste artigo poderia ser: “Apple é condenada a indenizar usuário que esqueceu a senha de seu iPad”.

Contudo, há de se analisar também o lado da empresa. E se estivéssemos diante de um iPad roubado, em que o ladrão estivesse “contando uma história” para tentar enganar a Apple, fazendo com que ela desbloqueasse o aparelho para que ele simplesmente pudesse revendê-lo e faturar com isso?

É perfeitamente plausível que as pessoas esqueçam suas senhas e precisem da ajuda da empresa para reestabelecer a utilização do aparelho. Mas como é que a empresa pode se proteger de mal-intencionados, nesse caso? Uma das possibilidades seria responder as perguntas de segurança. Ou, caso elas não tenham sido respondidas, confirmar alguns dados como nome completo, endereço cadastrado, números de telefone, data de nascimento, últimos apps baixados, entre outras coisas as quais poderiam confirmar a identidade do dono do aparelho.

É lamentável que práticas como essa sejam cada vez mais comuns. O número de usuários da Apple insatisfeitos com alguns serviços prestados pelo seu pós-venda é cada vez maior e ao mesmo tempo acreditava-se que, com uma Apple Retail Store por aqui, problemas relativamente simples como esse deixariam de existir.

Sempre recomendo aos usuários que briguem pelos seus direitos e que realmente busquem o poder judiciário, pois é somente assim que a Apple — e outras empresas, é claro — pode, quem sabe, passar a dar mais atenção aos usuários brasileiros, respeitando os direitos dos consumidores.

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