O melhor pedaço da Maçã.
Linda Yaccarino, CEO do X/Twitter

A CEO decorativa

Em 18 de abril, no segundo dia da conferência Possible, em Miami Beach, a executiva Linda Yaccarino (da NBCUniversal) subiu ao palco com Elon Musk para uma conversa intitulada: “Twitter 2.0: De Conversas a Parcerias”.

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O tom do papo foi bastante gentil, com direito a Yaccarino incentivando a plateia a aplaudir o executivo em duas oportunidades nos primeiros 30 segundos. Ela fez o mesmo no final. Ao longo de pouco mais de 40 minutos, as perguntas de Yaccarino, rasas e pouco desafiadoras, vieram sempre acompanhadas de muitos elogios ao entrevistado.

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Três semanas depois, o estranho tom da entrevista fez mais sentido. Quando Yaccarino foi anunciada como CEO do Twitter, o mercado percebeu que a entrevista com o executivo havia sido, na verdade, uma entrevista de emprego1É óbvio que uma contratação dessa magnitude envolve muito mais do que isso, mas assista à entrevista. Os primeiros minutos já são suficientes para dar o tom e ilustrar o que quero dizer..

Quem?

Por ser relativamente desconhecida fora da bolha publicitária televisiva norte-americana, o mercado se alvoroçou para descobrir quem era Linda Yaccarino.

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Isso incluiu fãs do X que, sempre a postos para atirar primeiro e mirar depois, prontamente a classificaram com o epíteto vazio de “woke” quando descobriram seu envolvimento no comitê do Fórum Econômico Mundial (WEF). Alguns reverteram a chancela quando aprenderam que ela havia participado de um conselho para o governo Trump, mas poucos deles a perdoaram por ter nascido mulher.

Trending Topics: Yaccarino
Trending Topics em 12 de maio. “She’s a WEF” e “RIP Twitter” fazem referência à contratação de Yaccarino | Imagem: Greg Sterling

Já para quem buscou se informar antes de formar uma opinião, as semanas que se sucederam foram repletas de matérias, podcasts e entrevistas interessantes com pessoas que já haviam trabalhado diretamente com Yaccarino. Kara Swisher, em seu podcast Pivot, disse o seguinte em maio:

Ela é uma ótima executiva. […] Eu trabalhei muito com ela quando a NBC investiu no Recode. […] Ela sempre quis ser CEO. Nós falamos sobre isso diversas vezes. Quando aconteceu toda a confusão do Jeff Sheels2Demitido do cargo de CEO em abril de 2023, após a descoberta do que foi detalhado apenas como um “relacionamento inadequado”., o nome dela sequer foi cogitado. […] Ela queria ir para a primeira divisão. […] Todo mundo gosta dela e ela tem projeção. […] Os anunciantes provavelmente vão voltar [ao Twitter], porque eles gostam dela. Mas se não der certo, eles irão abandoná-la.

O resumo do resumo da carreira recente de Yaccarino é o seguinte: ela entrou para a NBCUniversal em 2011, onde evoluiu até alcançar o título de presidente global de publicidade e parcerias. Sob esse cargo, além do lançamento do serviço de streaming Peacock, Yaccarino supervisionou as operações globais, nacionais e locais da NBCUniversal, incluindo campanhas, parcerias e acordos de marketing B2B.

No dia em que foi anunciada como a nova CEO do Twitter, Yaccarino descobriu a novidade da mesma forma que todos nós: pelo Twitter.

Por que?

A contratação da relativamente desconhecida Yaccarino foi uma surpresa, mas o motivo era óbvio. Em abril, o X já passava pelos mesmos problemas que se repetiram há algumas semanas: muitos anunciantes haviam pausado a veiculação de campanhas, após suas propagandas terem aparecido junto aos conteúdos de ódio cada vez mais frequentes no último ano.

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Em maio, documentos internos do X obtidos pelo New York Times mostraram uma queda de 59% no faturamento de publicidade, quando comparado ao mesmo período de 2022. Na época, durante o evento Possible, o então CEO do Twitter destacou especificamente a Apple e a Disney como empresas que seguiam anunciando na plataforma, complementando que “[…] elas não estariam lá se o site estivesse cheio de discurso de ódio”. Ops…

Àquela altura, já estava claro que o plano de rentabilizar a plataforma com a assinatura do X Premium (antigo Twitter Blue) não seria suficiente como uma fonte significativa de renda. A hemorragia de verba publicitária estava deixando o X cada vez mais distante não apenas do objetivo de repagar os empréstimos (e mais de US$1 bilhão de juros anuais) para a compra do serviço, mas também de manter-se viável e lucrativo.

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Frente a isso, a contratação de Yaccarino foi um acerto estratégico: o X valeria-se da credibilidade e da boa relação que ela havia construído com o mercado ao longo da última década e ela finalmente realizaria o sonho de se tornar CEO.

Inicialmente, o plano pareceu funcionar. Pouco a pouco, marcas importantes voltaram a anunciar na plataforma, ainda que com orçamentos bem menores. Segundo Yaccarino, em uma tensa entrevista no evento Code 2023, 90% dos maiores anunciantes já haviam retornado ao X em setembro.

A tensa entrevista no Code 2023

Em 28 de setembro, Yaccarino deu a sua primeira entrevista como CEO do X. As expectativas estavam altas graças a acontecimentos recentes, incluindo a insinuação de Musk de que o site poderia passar a ser pago para todos e o litígio que ele havia ameaçado abrir (mas nunca abriu) contra a Anti-Defamation League como resultado da debandada de anunciantes3Afinal, a culpa é sempre dos outros..

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Yaccarino subiu ao palco irritada, momentos após aquele mesmo palco receber Yoel Roth para uma entrevista4Roth é ex-chefe de segurança do Twitter. Ele abordou o período de transição da plataforma, seus motivos para pedir demissão e as ameaças de morte que recebe até hoje após Musk ter insinuado que Roth era um pedófilo, em retaliação ao seu pedido de demissão.. Após dedicar quase dez minutos para comentar as declarações recém-feitas de Roth, Yaccarino e a entrevistadora Julia Boorstin abordaram o engajamento no X, a saúde financeira da empresa, o desempenho do X Premium e, afinal, quem realmente está no comando do X.

Por quase 40 minutos, Yaccarino manteve um tom irônico e agressivo, antagonizando a entrevistadora e a plateia, e não respondendo diretamente à maioria das perguntas5Em certo momento, Yaccarino perguntou: “Quem aqui não gostaria de trabalhar ao lado de ELON MUSK?!” Em meio a risadas da plateia, uma porção de mãos se levantaram.. Muitos entenderam essa atitude como um admissão de subjugação de Yaccarino, que sabia que não poderia discordar ou parecer ter mais autonomia do que o dono da empresa. Já outros, viram na entrevista uma demonstração pública de lealdade a Musk e um compromisso com a missão do X.

Seja como for, esta foi a primeira e a última grande entrevista de Yaccarino até o momento. Semanas depois a Code 23, ela cancelou sua participação na conferência WSJ Tech Live, alegando estar muito ocupada por conta do conflito envolvendo Israel.

E… a CEO do X @lindayaX decidiu não aparecer na @WSJ Tech Live.

Aqui está o depoimento que o X enviou ao Journal: “Linda Yaccarino não poderá participar da conferência WSJ Tech Live na semana que vem. Com a crise global se desenrolando, Linda e sua equipe precisam manter o foco total na segurança da plataforma X.”

O elefante na sala

Um assunto que eu evitei de comentar ao longo do texto para tentar centralizar apenas no segmento a seguir é, naturalmente, Elon Musk e seus posts.

Da amplificação da fantasia de que o ataque a marteladas contra Paul Pelosi6Marido idoso de Nancy Pelosi, ex-presidente da Câmara dos Representantes dos Estados Unidos., havia sido fruto de um romance homossexual secreto mal-resolvido ao recém-postado e deletado meme ressuscitando a delírio do Pizzagate7Boa sorte., desde curtidas e retweets de conteúdos problemáticos a atitudes vingativas contra jornalistas e veículos de imprensa, todas as vezes em que Yaccarino deu um passo de formiga na direção de reconquistar a confiança (e os bolsos) dos anunciantes, Musk deu um tiro de canhão e explodiu a coisa toda.

O problema se potencializou no último mês, quando ele respondeu com “você disse a verdade verdadeira” a um tweet que defendia uma linha de raciocínio no mínimo problemática contra o povo judeu. A manobra resultou no segundo encontro de Musk com Benjamin Netanyahu em um intervalo de dois meses, com a intenção de lavar a reputação do executivo.

Esse post8Junto a um relatório da Media Matters (que naturalmente foi descreditado como tendencioso pelo X), que mostrou campanhas publicitárias sendo exibidas ao lado de conteúdos desinformativos ou odiosos relacionados ao conflito envolvendo Israel. foi o estopim que levou empresas e contas como Apple, CBS, Colbert Show, Comcast, Disney, IBM, Lionsgate, Marvel (sim, que é da Disney), Paramount, Sony Pictures, Walmart, Washington Post e Warner Bros. Discovery a pararem de anunciar no Twitter. Ah, sim! E a NBCUniversal também, antiga empregadora de Linda Yaccarino.

O que nos traz à ultima quarta-feira. No evento DealBook Summit 2023, Musk distorceu como chantagem a debandada de anunciantes, e mandou um “fodam-se” às empresas que optaram pela interrupção de campanhas no X. Logo em seguida, quando perguntado se isso dificultaria o trabalho de Yaccarino (que estava na plateia), Musk respondeu apenas que essas empresas serão responsáveis pela morte do X e que elas “terão de se explicar para a Terra9Vale lembrar que, em abril, ele já havia marcado uma conferência telefônica para tentar convencer os anunciantes a voltarem à plataforma. Durante a conversa ele se irritou, também perdeu o controle, e apenas piorou a situação..

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Notaram que ele claramente esperava ser aplaudido neste momento?

E agora?

Quando Yaccarino foi anunciada como CEO do X, o professor e investidor Scott Galloway disse mais de uma vez no podcast Pivot que imaginava que o contrato dela seria possivelmente o mais detalhado da história em relação aos termos de demissão ou rescisão, graças à fama que Musk tem de dar calotes em ex-funcionários.

Desde sua contratação, Yaccarino vem demonstrando um apoio incondicional às atitudes do executivo — mesmo quando o próprio executivo volta atrás —, algo que alguns veem como um artifício que a permitirá buscar seus direitos quando ela inevitavelmente decidir (ou for compelida a) deixar o cargo de CEO.

Aqui está ela, justificando o comportamento de Musk na última quarta-feira, com um post repleto daqueles termos de efeito que batem fundo nos corações dos bajuladores que confundem agressividade com poder, sempre às custas da cansada distorção do significado de liberdade de expressão.

Hoje, @elonmusk deu uma entrevista franca e abrangente na @dealbook 2023. Ele também pediu desculpas, se explicou e ofereceu um ponto de vista explícito sobre a nossa posição. O X está possibilitando uma independência de informação que é desconfortável para algumas pessoas. Nós somos uma plataforma que permite que as pessoas tomem as próprias decisões. E aqui está o meu ponto de vista quando o assunto é publicidade: o X está na incrível e singular interseção entre liberdade de expressão e a avenida Principal — e a comunidade do X é poderosa e está aqui para lhes das as boas-vindas. Para os nossos parceiros que acreditam no nosso trabalho relevante. — Muito obrigada.

Tem sido frequente lermos artigos ou escutarmos rumores de que Yaccarino vem sendo aconselhada por amigos e pessoas próximas a deixar o cargo de CEO do Twitter, pois a situação atual vem manchando o seu nome e está desfazendo o legado que ela passou os últimos 10 anos construindo. Ela, por outro lado, segue inabalável e, mesmo em conversas privadas, se recusa a reconhecer a existência do buraco no qual se enfiou.

Mesmo que ela siga tentando dourar a pílula dos caprichos e dos demônios de Musk (seja por autopreservação ou por uma genuína lealdade), a relação do X com os anunciantes nunca esteve pior. Hoje, Yaccarino está mais distante do que jamais esteve de cumprir a sua única missão de reatar a relação do X com os anunciantes — e isso é graças exclusivamente ao executivo que a contratou para fazer justamente isso.

Resta saber até quando ambos aguentarão essa relação que, obviamente, não está funcionando para ninguém. A menos, é claro, que Musk também já tenha desistido do futuro da plataforma.

Notas de rodapé

  • 1
    É óbvio que uma contratação dessa magnitude envolve muito mais do que isso, mas assista à entrevista. Os primeiros minutos já são suficientes para dar o tom e ilustrar o que quero dizer.
  • 2
    Demitido do cargo de CEO em abril de 2023, após a descoberta do que foi detalhado apenas como um “relacionamento inadequado”.
  • 3
    Afinal, a culpa é sempre dos outros.
  • 4
    Roth é ex-chefe de segurança do Twitter. Ele abordou o período de transição da plataforma, seus motivos para pedir demissão e as ameaças de morte que recebe até hoje após Musk ter insinuado que Roth era um pedófilo, em retaliação ao seu pedido de demissão.
  • 5
    Em certo momento, Yaccarino perguntou: “Quem aqui não gostaria de trabalhar ao lado de ELON MUSK?!” Em meio a risadas da plateia, uma porção de mãos se levantaram.
  • 6
    Marido idoso de Nancy Pelosi, ex-presidente da Câmara dos Representantes dos Estados Unidos.
  • 7
  • 8
    Junto a um relatório da Media Matters (que naturalmente foi descreditado como tendencioso pelo X), que mostrou campanhas publicitárias sendo exibidas ao lado de conteúdos desinformativos ou odiosos relacionados ao conflito envolvendo Israel.
  • 9
    Vale lembrar que, em abril, ele já havia marcado uma conferência telefônica para tentar convencer os anunciantes a voltarem à plataforma. Durante a conversa ele se irritou, também perdeu o controle, e apenas piorou a situação.

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