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A polêmica das atualizações pagas

Ícone da App Store

Tenha você gostado ou não, algo que ninguém pode negar sobre o iOS 7 é que ele chegou mesmo como a maior revolução no sistema operacional móvel da Apple desde o iOS iPhone OS 1.0. E isso não envolve apenas o aspecto visual dele, mas toda a forma como as camadas do sistema interagem entre si — além, é claro, dos inúmeros novos recursos e APIs liberadas para desenvolvedores.

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Ícone da App StorePor isso, desde a WWDC 2013, em junho, desenvolvedores (os que se prezam, é claro) têm corrido para trabalhar com seus times de design em versões muitas vezes completamente remodeladas de apps já existentes. A adaptação não é simples; em muitos casos, é preciso mesmo repensar toda a usabilidade do software.

Não é à toa que usar um WhatsApp Messenger da vida atualmente no iOS 7 é estranhíssimo, a sensação é de que o app não pertence ao ambiente no qual está rodando. A WhatsApp tem essa “tradição” de demorar a atualizar seu app — aconteceu quando o iPhone 4 foi lançado com a sua tela Retina, quando o iPhone 5 chegou com suas 4 polegadas… —, mas a qualquer momento uma nova versão deverá pintar por aí. E ela será gratuita, de acordo com o novo modelo de negócios da empresa.

Mas não são todos os desenvolvedores que trabalham dessa forma e alguns usuários se “assustaram” quando começaram a ver novas versões para o iOS 7 sendo lançadas como binários separados na App Store, pagos. Uma das primeiras a fazer isso foi a Realmac Software, com o Clear — e a repercussão negativa foi tamanha que eles até resolveram mudar um pouco sua estratégia. Mais recentemente, vimos isso acontecer também com o Tweetbot 3 e, ainda hoje, com o Fantastical 2.

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Eles estão errados? No geral eu acho que não, e discorro sobre o tema a seguir. Mas também depende.

O que estamos comprando?

Esta é a percepção primordial que as pessoas precisam ter: quando você aperta o botão de “Comprar” na [Mac] App Store e paga um certo valor por um aplicativo — seja ele US$1, US$5, US$10 ou US$100… não importa —, você está pagando pelo que o app lhe oferece hoje ou por o que ele ainda poderá vir a oferecer?

Se um determinado desenvolvedor anuncia publicamente planos futuros para um app e garante que todas as novidades apresentadas serão disponibilizadas de graça para seus usuários, é obrigação dele cumprir essa promessa. O problema é quando as pessoas esperam isso sem que o desenvolvedor nunca tenha se comprometido com algo do tipo.

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A compra de um software deve ser vista como uma transação individual e presente. O consumidor não pode achar que, por ter pago por um app, se tornou algo como um investidor na empresa. Ou muito menos que aquela compra única funcione como uma espécie de assinatura vitalícia, algo como um contrato permanente de prestação de serviços envolvendo atualizações — das mais simples (manutenção/compatibilidade) às mais significativas (remodelar um aplicativo para um novo sistema operacional).

Na teoria, um app que você comprou hoje pode já ter inclusive se tornado um projeto abandonado pelo desenvolvedor, seja lá qual for o motivo. Ele poderá nunca receber uma atualização, e é importante notar que a sua compra não se torna menos valiosa (ou válida) por isso.

Bom senso vs. sustentabilidade

Gente “esperta” tem em todo canto, e aqui não é diferente. Sempre vão ter usuários desejando que desenvolvedores criem softwares sensacionais, complexos, os mantenham sempre atualizados e não cobrem nada por isso. E também existem desenvolvedores que podem tentar faturar injustamente em cima de usuários.

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A diferença, aqui, é que ser um desenvolvedor e conquistar a confiança/fidelidade de uma grande massa de pessoas é muito difícil. Para tudo isso ir por água abaixo, às vezes basta uma única pisada de bola. E é o nome dele que está em jogo, seja um desenvolvedor independente ou uma empresa consolidada. Quando a credibilidade vai pro buraco, mesmo a chegada de um app completamente novo fica manchada e aí fazer sucesso se torna bem mais complicado.

O bom senso vale para ambos os lados: desenvolvedores não podem querer cobrar de usuários por atualizações rotineiras ou mesmo com algumas poucas novidades que agregam valor ao produto, tanto quanto usuários não têm direito de “exigir” que um grande upgrade seja liberado gratuitamente “só porque já pagaram uma vez antes”.

De uns anos para cá, acompanhamos uma despencada considerável no preço médio cobrado por aplicativos. Com a popularidade e a facilidade de uso da App Store, é muito mais fácil/interessante para desenvolvedores faturarem US$100 vendendo 100 cópias de um app de US$1 do que contarem com 1 venda de um app de US$100. Por outro lado, sustentar um negócio vendendo apps tão baratos não é para qualquer um. Não podemos olhar somente para os casos de grande sucesso (e isso inclui, é claro, Clears, Tweetbots e Fantasticals da vida) e achar que todos os desenvolvedores conseguem isso.

Dessa forma, quando um desenvolvedor se propõe a fazer uma grande atualização de um app já existente, seja trazendo um redesign completo, vários novos recursos e afins, ele tem todo o direito de cobrar de novo por isso. E usuários deveriam reconhecer esse esforço, afinal, a escolha de modernizar ou não o app é totalmente dele.

A culpa da Apple

Pode não parecer, mas a Apple tem muita “culpa no cartório” nessa polêmica.

Steve Jobs apontando o dedo

A primeira é algo que foge ao controle dela: para a grande massa de usuários, não faz diferença se um aplicativo é desenvolvido por uma grande empresa como a Apple ou por uma dupla de amigos numa garagem. Acreditem se quiser, muita gente acha que todo desenvolvedor de apps para iOS/OS X inclusive tem vínculo empregatício com a própria Apple.

Digo isso porque, para o consumidor comum, é difícil compreender como todo um sistema operacional ou toda uma suíte de produtividade podem ser gratuitos e ao mesmo tempo um “simples” cliente de Twitter custar US$5, ou um GPS offline sair por US$30. Para nós é excelente que Apple e outras grandes empresas consigam oferecer softwares de graça para consumidores, mas ela indiretamente acaba prejudicando quem vive disso justamente por criar essa “confusão mental” no mercado.

Falando especificamente da Apple, ela é uma empresa de hardware que equipa seus produtos com sistemas operacionais, softwares e oferece serviços os quais juntos agregam um valor imenso ao consumidor e o estimula a comprar mais e mais hardware. Não é à toa que ela está agora distribuindo o OS X (bem como o iOS), o iWork e o iLife de graça para todos os novos compradores de Macs, iPads, iPhones e iPods touch. Ela deixa de ganhar uns trocados com software (segundo a empresa, US$900 milhões), mas o que dá “sustância” para a empresa não é isso.

O Google funciona de forma similar à Apple, só que o seu foco não é a venda de hardware, e sim publicidade online. É um modelo de negócios bem diferente, mas que no final das contas, para o consumidor, acaba sendo parecido com o da Apple. Quem está mal nessa história toda agora é a Microsoft, que sempre se focou no desenvolvimento e na venda de software.

A outra parte da culpa da Apple é não oferecer, ainda, um método nativo para desenvolvedores oferecerem upgrades pagos na [Mac] App Store. Ou seja, hoje quando uma nova versão de um app está para ser lançada, as opções são somente duas:

  1. Simplesmente atualizar o binário do app no iTunes Connect, disponibilizando-o para absolutamente todo mundo que já possui o app atualmente sem custo nenhum.
  2. Publicar um novo binário na loja, com um novo preço.

A segunda opção é justamente o tema central deste artigo. É a única alternativa que desenvolvedores têm hoje para cobrar por um update dos seus apps, mas é ruim pois impede que se faça uma diferenciação entre um usuário totalmente novo do produto e quem já é fiel a ele há tempos.

Num mundo ideal, com um sistema de upgrades pagos implementado na [Mac] App Store, uma Tapbots da vida poderia lançar o Tweetbot 3 cobrando, por exemplo, US$1 para usuários da versão 2, US$3 para usuários da versão 1 e US$5 para novos usuários.

Numa tentativa de beneficiar usuários existentes e atrair novos usuários, o que desenvolvedores costumam fazer nesses casos, então, é lançar os novos binários com um preço promocional por alguns dias e depois então levá-lo ao patamar “normal”. É o que ambas Tapbots e Flexibits estão fazendo: tanto o Tweetbot 3 quanto o Fantastical 2 estão saindo hoje por US$3, mas em breve passarão a custar US$5.

Valor

Ícone - Cifrão, $, dinheiro, moneyNão sei vocês, mas eu vejo uma grande diferença quando falamos em “valor” — frente a “preço” ou “custo”, por exemplo. Valor é algo muito subjetivo e variável. Um colchão velho, por exemplo, pode não ter valor nenhum para quem acabou de comprar/ganhar uma cama novinha, mas certamente melhoraria bastante a vida de alguém que não tem onde dormir.

No mundo dos softwares não é diferente. O valor que um desenvolvedor dá para o seu trabalho pode ser bem diferente do que o que um consumidor enxerga, e para esse mesmo consumidor da noite pro dia pode surgir uma necessidade tal que faça o valor de um determinado app que ele nem usava antes disparar. É por isso que é normal vermos extremos de pessoas falando que “não usariam algo nem de graça”, enquanto outras talvez pagariam o dobro ou o triplo do preço normalmente cobrado.

Digo isso porque, para mim, tudo tem o seu valor. Para as pessoas é muito fácil pagar por objetos tangíveis, sabendo que há custos físicos ali envolvidos (materiais, embalagem, confecção, etc.), mas quando se deparam com algo virtual elas tendem a esquecer do valor do trabalho alheio. O povo paga sem pensar R$5 num sanduíche mequetrefe que desaparece em poucos minutos (e paga os mesmos R$5 todas as vezes que vai comê-lo, diga-se), mas muitos acham caro ou um absurdo gastar US$3 num software que utilizam horas por dia, por meses a fio.

Usando os exemplos acima, ninguém é obrigado a ver valor e se dispor a pagar por uma nova versão do Tweetbot ou do Fantastical. Eu, coincidentemente como usuário de ambos, paguei sem nem hesitar, achei justo e estou muito satisfeito. E não fiz isso pensando no que vem por aí das respectivas desenvolvedoras, fiz porque vejo um imenso valor no que ambos os produtos oferecem hoje e, colocando-os lado a lado com concorrentes, são para mim os meus favoritos em suas áreas específicas.

O importante é não sermos egoístas e, principalmente, não menosprezarmos o trabalho alheio simplesmente por comodidade própria. Ora, eu também prefiro pagar menos (ou nada, se possível) por algo de que farei uso, mas se há um custo envolvido cabe a cada um colocar os benefícios na balança e decidir se vale a pena pagar o preço ou não.

Ou então, quem sabe, esperar um pouco e aguardar uma possível promoção futura. Quando o preço de algo é mal pensado, o mercado com um todo responde a isso. Ninguém pode me impedir, por exemplo, de cobrar R$50 por uma limonada. Você tem o direito de achar caro e não comprá-la, mas não pode vir determinar quanto que eu devo cobrar pelo meu produto. Se eu não estiver mesmo vendendo nada, ou estiver vendendo muito pouco, eu mesmo verei necessidade de fazer um ajuste no preço.

Seja lá qual for a sua área de atuação (ou, se ainda for estudante, a área na qual pretende vir a atuar), você deve saber bem o quanto que é bom ter o seu trabalho valorizado. E, independentemente da sua profissão — arquiteto, médico, engenheiro, advogado, designer, publicitário, psicólogo… —, não há quem se sustente cobrando apenas uma única vez por um trabalho, mesmo que ele talvez pareça ser simples (ou repetitivo). Não é assim que as coisas funcionam.

Resumo da ópera

Mesmo com altos, baixos e polêmicas como a que nos propusemos a discutir hoje, acho muito feliz ver que atualmente a discussão entre a maioria das pessoas não é mais se vale pagar por algo ou roubá-lo pirateá-lo, e sim se o valor é justo ou se há alguma alternativa tão boa quanto, mais em conta, disponível — o que é muito, muito comum.

Claro, boa parte disso é graças ao sistema fechado do iOS e da App Store, que impede a instalação de binários não-autorizados pela Apple em iGadgets. Para piratear aplicativos para iOS, só com jailbreak — uma prática complicada e que aos poucos está caindo em desuso frente à implementação nativa de recursos no sistema operacional móvel da Maçã que antes só estavam disponíveis mesmo graças às mãos de hackers.

Cantora de ópera

Só queria aqui colocar a ideia de que não, não é “sacanagem” nenhuma desenvolvedores cobrarem por upgrades do seus apps. A visão é totalmente oposta: bacana é o desenvolvedor que mantém o seu app atualizado e até libera novos recursos (ou até mesmo um visual totalmente novo) sem cobrar nada por isso. Este tipo de coisa é o que *não* deveria ser esperado, mas também não podemos ficar mal acostumados — muito menos usando uma Apple da vida como exemplo frente a pessoas e empresas que vivem exclusiva e diretamente de receitas com vendas de apps.

Lembrem-se de que estamos todos num mesmo ciclo: enquanto um bom grupo de desenvolvedores/designers estiver recebendo o retorno justo pelo seu trabalho, nós, usuários, podemos esperar que excelentes e inovadores projetos continuem surgindo dali. Afinal, cada um precisa fazer a sua parte.

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