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Se você quer criticar a Apple, olhe menos pra Adobe e mais pra Foxconn

Trabalhadores na Foxconn

Seu iPhone não tem Flash? Você não consegue comprar apps pornográficos, apesar de sites direcionados já existirem? Você acha que a Apple é EVIL porque ela não ajuda a Adobe a inchar? Você acha que por causa disso Steve Jobs é a mais nova encarnação de Lúcifer? Más notícias, colega: você está perdendo tempo olhando pro seu próprio umbigo (ou pros umbigos dos fundadores da Adobe).

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Foto: Southern Weekend

Ao falar sobre os últimos casos de suicídios na Foxconn, uma das empresas que cuidam da fabricação dos gadgets da Apple na Ásia, eu cheguei a aventar que seria interessante alguém fazer uma investigação e infiltrar-se no ambiente dos trabalhadores chineses. Bem, tirei essa conclusão atrasado, pois o Southern Weekend (chinês) já dera início a uma reportagem desta natureza semanas antes. Para nós, ocidentais, o Engadget trouxe uma versão traduzida do relato de Liu Zhiyi sobre a vida de um trabalhador chinês nas linhas de montagens de gadgets.

Não vou traduzir a reportagem por inteiro, apenas tocar nos pontos mais centrais, e um deles é que a “liberdade” (ou falta dela) desempenha um papel central nos casos dos jovens que deram fim à própria vida nas instalações gigantescas da Foxconn. É uma grande cadeia alimentar: trabalhadores na China não têm grandes perspectivas de sucesso, apesar dos sonhos que alimentam, o que os torna presas fáceis para empresas que visam ao lucro máximo. Dentro da legalidade, mas perigosamente perto do limite entre moral e imoral, a indústria oferece o salário mínimo, uma remuneração que mal sustenta uma pessoa, e procura conseguir o máximo possível de horas extras dos funcionários. A necessidade dos trabalhadores é tamanha que não há horas extras bastantes para quem as queira.

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Aqui entra a questão da “liberdade”: ao contrário de quem quer jogar FarmVille num telefone ou comprar apps que exibem pessoas nuas, os jovens chineses que trabalham na Foxconn não têm uma opção real. Ou eles trabalham a ponto de desejarem uma lesão para poder contar com a licença remunerada, ou eles não terão dinheiro para se sustentar — que dirá ajudar suas famílias. Não é questão de “poder usar o gadget que eu comprei como eu quiser, mesmo que os termos de uso dissessem o contrário”, é questão de “se eu não trabalhar, não vou ter o que comer”.

Qual o papel da Apple nisso tudo? Ela está apenas dançando conforme a música que tocamos: gadgets melhores saindo a cada mês, aos montes, cada vez mais baratos e com mais funções. Há uma saída para isso? Dá pra ver algum lado bom? Algumas pessoas podem argumentar que as condições de trabalho numa Foxconn da vida são muito melhores que as em outras indústrias e na zona rural, ou que esse tipo de atividade ajuda países e pessoas a crescerem (CrunchGear, Engadget). Eu não iria tão longe: correndo o risco de soar hipócrita, pois meu computador, meu teclado, meu mouse e meus dois iPods, todos têm “Made in China”, eu digo que isto está errado.

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Só que as alternativas nesse aspecto são escassas: não é apenas a Apple, não é apenas na China. Praticamente toda empresa que visa ao lucro fabrica (ou usa largamente produtos fabricados) em países que protegem pouco os trabalhadores, pois seus governos estão de olho na arrecadação de impostos e nas exportações. A Apple é culpada por manter suas gordas margens de lucro cada vez mais gordas, a China é culpada por deixar seu povo à mercê de gigantes e nós somos culpados por convenientemente fecharmos os olhos a isso tudo. E estas acusações poderiam se estender a muitas outras empresas: onde o Nexus One, o Motorola DROID, o HTC Incredible e os telefones da Nokia são fabricados? (Nota: minha pergunta é sincera, pois não faço ideia de onde eles são produzidos.)

Claro, é muito melhor reclamar que a Apple pratica “censura” porque ela não quer controvérsia na loja dela do que pensar que os eletrônicos na sua casa são fabricados por pessoas que, como você, têm sonhos, mas que dificilmente poderão alcançá-los. Pense nisso, antes de abrir a boca pra dizer que o mundo livre vai acabar por falta de pornografia em uma (01, huma) loja de software, porque falta um plugin ESSENCIAL-valha-me-Deus na sua tablet ou porque desenvolvedores vão ter que aprender uma linguagem de programação nova. Oh, a humanidade!

E, para dar rosto e nome aos funcionários da Foxconn que se foram, assista a esta reportagem local sobre os incidentes (em chinês, com legendas do YouTube em inglês, mas não precisa de nada disso pra entender a expressão nos rostos da família de um dos suicidas):

[youtube]http://www.youtube.com/watch?v=PWFsMlRyJ7Q[/youtube] [youtube]http://www.youtube.com/watch?v=Kz2U2R1ehvI[/youtube] [youtube]http://www.youtube.com/watch?v=DFTtTsKZjeU[/youtube]

O telhado de vidro da Apple não é o Flash ou a App Store: o problema é que nós também estamos todos debaixo dele.

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