O melhor pedaço da Maçã.
Meir Chaimowitz / Shutterstock.com
Microsoft e Sam Altman

No battle royale da OpenAI, a verdadeira vencedora foi a Microsoft

Nem nos seus devaneios mais criativos, o ChatGPT poderia ter alucinado o roteiro dos últimos dez dias. Se alguém disser que acompanhou e entendeu em tempo real todos os pormenores da confusão recente envolvendo a OpenAI, é mentira.

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Até agora, o antigo conselho de administração da empresa não explicou o motivo por trás da catastrófica manobra de demitir o CEO1Chief executive officer, ou diretor executivo. Sam Altman.

Mas, algumas investigações aprofundadas feitas pelo New York Times e pelo Wall Street Journal indicam o seguinte: as relações entre Altman e o conselho da OpenAI estavam estremecidas desde o lançamento do ChatGPT, no ano passado, e ruíram completamente após o evento OpenAI DevDay, no início de novembro2As matérias também citam um estudo recente feito pela conselheira Helen Toner, exaltando a operação comedida da Anthropic, concorrente da OpenAI. Isso, aparentemente, irritou Altman e piorou a situação..

Observação: nos últimos dias, a Reuters relatou que o estopim para demissão pode ter sido a descoberta de uma nova tecnologia, de codinome Q*3Pronuncia-se “Q-Star”., que se aproximaria da AGI4Artificial general intelligence, ou inteligência artificial geral. e poderia representar “um risco existencial para a humanidade”. Essa tecnologia, capaz de fazer certos cálculos matemáticos, teria motivado alguns funcionários a enviarem uma carta ao conselho alertando sobre esses riscos, e isso teria exacerbado a pegada aceleracionista de Altman, em contraste com a pegada mais resguardada de desenvolvimento de IA do conselho.

A Reuters admite não ter conseguido confirmar essa informação de forma independente, e diz também que não pôde ver a carta. Já pessoas extremamente bem informadas e envolvidas no desenvolvimento de IA há décadas, como Yann LeCun (atualmente chefe de IA da Meta), dizem que essa notícia não faz sentido. Segundo ele: “Por favor, ignorem a enxurrada de completos absurdos sobre o Q*. Um dos maiores desafios para melhorar a confiabilidade dos LLMs5Large language models, ou, modelos grandes de linguagem é substituir a previsão autorregressiva6Técnica em que o texto é gerado a partir de uma análise que o LLM faz das palavras que vieram imediatamente antes. de tokens, por planejamento. Praticamente todos os grandes laboratórios (FAIR, DeepMind, OpenAI, etc.) estão trabalhando nisso, e alguns já haviam publicado ideias e resultados. É provável que o Q* seja a tentativa da OpenAI de fazer isso. Eles praticamente contrataram o Noam Brown (famoso pelas IAs Libratus/poker e Cicero/Diplomacy) só para fazer isso. Nota: eu venho promovendo arquiteturas de deep learning capazes de fazerem planejamento desde 2016.”

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Para o conselho da OpenAI, os lançamentos da empresa no último ano (ChatGPT, ChatGPT Plus, GPT-4, ChatGPT Voice, GPTs customizados, etc.) aconteceram antes de as ferramentas estarem preparadas para lidar com usos potencialmente perigosos ou ilegais em larga escala.

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Já para Altman, esses lançamentos foram essenciais para informar à OpenAI as expectativas e necessidades do público, a fim de guiar a evolução e o desenvolvimento de novas ferramentas, como por exemplo o GPT-5, que ele passou a mencionar em entrevistas recentes.

Para todos nós, a última semana ofereceu uma rara oportunidade de acompanhar (quase integralmente por meio do X) as discussões e negociações que geralmente acontecem a portas fechadas no Vale do Silício, mas que geram impactos permanentes na forma como usamos os produtos e serviços dos quais somos cada vez mais dependentes.

A estrutura da OpenAI

Fundada em 2015 como uma organização sem fins lucrativos, a missão da OpenAI era investigar uma forma segura e responsável de desenvolver e dominar a AGI7Artificial general intelligence, ou inteligência artificial geral. para o benefício da humanidade. Inicialmente, seu painel de conselheiros era formado por dois cofundadores: Sam Altman e Elon Musk (que saiu em 2019).

A lista de cofundadores também incluía, dentre outros, Ilya Sutskever e Greg Brockman. Esses nomes serão importantes mais à frente.

Assim que a empresa começou a trabalhar, ficou óbvio que seu investimento inicial de US$1 bilhão seria insuficiente. Para piorar, a OpenAI não conseguiu conquistar novos investimentos, afinal, qual investidor de capital de risco do Vale do Silício se interessaria em colocar uma fortuna em algo proprietário sem fins lucrativos8Óbvio que não é tão simples assim, mas esse detalhamento fica para outro dia. Sigamos em frente.?

Por isso, a OpenAI mudou de estratégia. Em 2018, a organização sem fins lucrativos criou uma subsidiária com fins lucrativos, uma hierarquia similar ao que também vemos hoje em dia com o Signal9A Signal Foundation, sem fins lucrativos, controla a subsidiária Signal Messenger LLC. e com a Mozilla10A Mozilla Foundation, sem fins lucrativos, controla a subsidiária Mozilla Corp..

Pouco tempo depois, a OpenAI emplacou uma parceria com a Microsoft. A essa altura, Satya Nadella, CEO da gigante de Redmond, já estava atento ao potencial das IAs e viu na OpenAI uma oportunidade de investimento que, se desse certo, poderia acrescentar bastante valor a todas as suas divisões e produtos.

Por isso, ao longo de cinco anos, a Microsoft se comprometeu a fornecer US$1 bilhão à OpenAI, sendo a maior parte desse valor em estrutura, nuvem, processamento e poder de computação. Os resultados iniciais foram tão satisfatórios e promissores que, em janeiro de 2023 (logo após o lançamento histórico do ChatGPT), a Microsoft se comprometeu a investir outros US$10 bilhões na empresa.

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Além disso, como parte do novo acordo, a Microsoft se tornou dona de 49% da subsidiária da OpenAI com fins lucrativos e também se tornou coproprietária de toda a tecnologia desenvolvida pela equipe da OpenAI. Nada mau.

Microsoft + OpenAI

O primeiro grande fruto da parceria entre a Microsoft e a OpenAI foi o Bing Chat. Anunciado em fevereiro de 2023, o historicamente irrelevante buscador da Microsoft se integrou ao ChatGPT e, naquele momento, fez parecer que o mercado de busca havia acabado de virar de ponta-cabeça.

Aqui está Nadella, em uma entrevista ao The Verge naquele mesmo mês, comemorando o fato de ter pego o Google de surpresa com a coisa toda:

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Eu tenho a maior admiração pelo Google. […] Hoje foi um dia em que nós aumentamos a concorrência no mercado de busca. […] E eu quero que as pessoas saibam que fomos nós que fizemos eles dançarem.

De lá para cá, a Microsoft integrou IA (ou os Copilots, como ela chama) em praticamente todos os seus produtos. Do GitHub ao Office, do Windows ao Azure, não há nenhum produto, serviço ou plataforma da Microsoft que não tenha alguma ferramenta de IA generativa.

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Uma outra coisa também aconteceu de lá para cá: a Microsoft e a OpenAI associaram fortemente as imagens das duas empresas. Em praticamente todos os eventos de ambas, uma elogiou e citou a outra à exaustão. No OpenAI DevDay, em 6 de novembro, por exemplo, Nadella passou cinco minutos no palco falando sobre como as novidades anunciadas beneficiariam sua empresa e seus clientes.

11 dias depois, Altman foi demitido.

A demissão

Na tarde de 17 de novembro, via Google Meet, Sutskever informou Altman da sua demissão por falta de transparência nas comunicações com o conselho — agora, sabemos que foi Sutskever que deu o pontapé inicial no processo de demissão, arrependendo-se posteriormente.

Eu me arrependo profundamente da minha participação nas ações do conselho. Minha intenção nunca foi prejudicar a OpenAI. Eu amo tudo o que construímos juntos e farei tudo o que eu puder para reunir a companhia.

Ao mesmo tempo, Brockman (que não fora envolvido na votação pela demissão de Altman) foi informado que havia sido deposto do cargo de presidente do conselho. Ele poderia permanecer na empresa, mas, em solidariedade a Altman, pediu demissão.

A seguir, o conselho publicou um comunicado à imprensa em que não mediu palavras ao dizer que havia demitido Altman por “não confiar mais em sua liderança”. Além disso, o comunicado informava que a CTO11Chief technology officer, ou diretora de tecnologia. Mira Murati atuaria como CEO interina da companhia.

A essa altura, a NASDAQ já havia encerrado o pregão, mas as ações da Microsoft estavam em queda nas negociações pós-fechamento. A empresa havia passado o último ano associando a sua imagem à OpenAI e o mercado respondeu de acordo.

O fator Nadella

Irritado não só por não ter sido consultado previamente, mas também por ter sido informado da demissão de Altman apenas um minuto antes do resto do mundo, Nadella sabia que não resolver a situação até a reabertura da NASDAQ na segunda-feira significaria perder bilhões de dólares em valor de mercado. Além disso, a Microsoft corria o risco de ver desaparecer a base da sua principal aposta para o futuro da companhia.

Por isso, durante as 48 horas daquele fim de semana, Nadella atuou como mediador, pacifista e terapeuta para negociar o retorno de Altman e Brockman. Não foi o que aconteceu.

Nas primeiras horas da manhã de segunda-feira, logo antes da reabertura da NASDAQ, o mercado foi informado de que Murati havia sido substituída por um novo CEO interino, Emmett Shear, cofundador e ex-CEO da Twitch. O motivo? Murati defendeu a recontratação de Altman e Brockman, e foi removida do cargo pelo conselho.

Já Nadella anunciou que Altman e Brockman se juntariam à Microsoft para liderarem uma nova divisão de IA. Além disso, ele falou que qualquer funcionário da OpenAI que quisesse vir junto teria o emprego garantido. Minutos depois, as ações da Microsoft abriram. Em alta, é claro. Nadella também aproveitou a oportunidade para comentar as últimas movimentações na OpenAI, em um tweet que, em bom português, quis dizer: “Nunca ouvi falar desse CEO, mas é bom que ele saiba que precisa muito do nosso dinheiro para seguir em frente.”

Nós permanecemos comprometidos com a nossa parceria com a OpenAI e estamos confiantes no plano de desenvolvimento dos nossos produtos, na nossa habilidade de seguir inovando com tudo o que anunciamos na Microsoft Ignite e na continuidade do apoio a nossos clientes e parceiros. Estamos ansiosos para conhecer Emmet Shear e a nova liderança da equipe da OAI para trabalharmos juntos. E estamos extremamente animados para compartilhar a notícia de que Sam Altman e Greg Brockman, junto a colegas, se juntarão à Microsoft para liderar uma nova equipe de pesquisa de IA avançada. Estamos ansiosos para agir rapidamente e lhes oferecer os recursos necessários para o sucesso.

Nadella havia feito uma manobra inteligente. Como a Microsoft tem os direitos sobre a propriedade intelectual da OpenAI, abrir uma divisão interna de IA liderada por Altman e Brockman, e formada por um grande time de ex-funcionários fiéis, significaria, na prática, ter comprado a empresa por US$0 em vez de US$90 bilhões. Esse pessoal continuaria trabalhando exatamente onde havia parado na semana anterior, dessa vez sob total comando da Microsoft.

Porém, nada disso aconteceu. Na noite de terça-feira, a OpenAI confirmou a volta de Altman e Brockman, além da substituição de quase todo o conselho.

A nova OpenAI

Até dez dias atrás, além de Altman e Brockman, o conselho da OpenAI também era formado por Adam D’Angelo12CEO da plataforma Quora., Ilya Sutskever13Cofundador da OpenAI, pesquisador e engenheiro de IA., Helen Toner14Diretora do Centro para Segurança e Tecnologias Emergentes e pesquisadora ligada à Universidade de Georgetown. e por Tasha McCauley15Engenheira de robótica e CEO da GeoSim Systems.. Estes três últimos, bastante ligados ao mundo acadêmico, defendem mais cuidado na adoção e na distribuição da IA, por conta do risco em potencial que ela representa — a maioria também é partidária de um movimento chamado Altruísmo Eficaz, que merece uma discussão separada em um outro momento.

Em uma entrevista à jornalista Kara Swisher na última segunda-feira (ou seja, antes da volta de Altman e Brockman à OpenAI), Nadella disse que a Microsoft seguia comprometida com a OpenAI, mas que não toleraria mais surpresas. Ele criticou a forma com a qual o conselho da OpenAI lidou com toda essa situação e disse que incentivaria a formação de um novo conselho, potencialmente com um representante direto ou pelo menos mais próximo à Microsoft.

Pois bem. Como resultado da volta de Altman e Brockman, os conselheiros Sutskever, Toner e McCauley foram demitidos. Já os novos contratados, neste momento, são: Larry Summers16Ex-tesoureiro dos Estados Unidos. e o novo presidente do conselho Bret Taylor17Taylor era presidente do conselho do Twitter antes da aquisição por Elon Musk. Ele ajudou a mediar a venda, às vésperas de o caso ir parar nos tribunais.. A OpenAi já disse que novos membros podem ser adicionados nas próximas semanas, e não faltam especulações de possíveis adições, incluindo Sheryl Sandberg, ex-diretora da operações da Meta.

Em 2008, Sam Altman participou da WWDC para apresentar seu app, Loopt. Isso não tem nada a ver com o texto, mas alguém consegue me explicar por que ele usou duas camisas polo, uma por cima da outra?

No fim das contas, o antigo conselho da OpenAI conseguiu o exato oposto do que pretendia inicialmente: ao tentar substituir Altman por alguém mais amigável à ideia de desacelerar as iniciativas comerciais da OpenAI, o conselho perdeu totalmente seu espaço, fortaleceu a relação entre Altman e seus funcionários, antagonizou toda a empresa e, de quebra, aproximou a ainda mais a OpenAI de uma das empresas com mais fins lucrativos da história da tecnologia.

Já Nadella se mostrou o único adulto na sala. Ao manifestar apoio incondicional e prometer suporte irrestrito a Altman e aos funcionários da OpenAI durante todas as etapas desse absurdo processo, ele se posicionou como um líder atento e responsável, comprometido não só com o sucesso da Microsoft, mas também com o da OpenAI18Tudo isso sem demonstrar desprezo, desrespeito ou antagonismo frente aos executivos que o colocaram nessa situação, o que é o tipo de exemplo que falta no mercado..

Mais do que isso, Nadella garantiu a conquista da confiança de Altman e uma posição privilegiada para acompanhar (e influenciar) o caminho de uma das empresas mais promissoras da história da tecnologia moderna. Por fim, ele validou de uma vez por todas a necessidade de a Microsoft investir por conta própria em uma IA separada da da OpenAI, algo que ela já vinha fazendo de forma acanhada. Ficarei surpreso se isso não se tornar uma prioridade em Redmond, nem que seja para ter um “plano B” na manga caso algo catastrófico volte a acontecer com a sua principal parceira.

Dito tudo isso, ficam duas perguntas: quem interpretará todos esses executivos na inevitável série de TV recontando todo o imbróglio? E quando ela estreará no Apple TV+?

Notas de rodapé

  • 1
    Chief executive officer, ou diretor executivo.
  • 2
    As matérias também citam um estudo recente feito pela conselheira Helen Toner, exaltando a operação comedida da Anthropic, concorrente da OpenAI. Isso, aparentemente, irritou Altman e piorou a situação.
  • 3
    Pronuncia-se “Q-Star”.
  • 4
    Artificial general intelligence, ou inteligência artificial geral.
  • 5
    Large language models, ou, modelos grandes de linguagem
  • 6
    Técnica em que o texto é gerado a partir de uma análise que o LLM faz das palavras que vieram imediatamente antes.
  • 7
    Artificial general intelligence, ou inteligência artificial geral.
  • 8
    Óbvio que não é tão simples assim, mas esse detalhamento fica para outro dia. Sigamos em frente.
  • 9
    A Signal Foundation, sem fins lucrativos, controla a subsidiária Signal Messenger LLC.
  • 10
    A Mozilla Foundation, sem fins lucrativos, controla a subsidiária Mozilla Corp.
  • 11
    Chief technology officer, ou diretora de tecnologia.
  • 12
    CEO da plataforma Quora.
  • 13
    Cofundador da OpenAI, pesquisador e engenheiro de IA.
  • 14
    Diretora do Centro para Segurança e Tecnologias Emergentes e pesquisadora ligada à Universidade de Georgetown.
  • 15
    Engenheira de robótica e CEO da GeoSim Systems.
  • 16
    Ex-tesoureiro dos Estados Unidos.
  • 17
    Taylor era presidente do conselho do Twitter antes da aquisição por Elon Musk. Ele ajudou a mediar a venda, às vésperas de o caso ir parar nos tribunais.
  • 18
    Tudo isso sem demonstrar desprezo, desrespeito ou antagonismo frente aos executivos que o colocaram nessa situação, o que é o tipo de exemplo que falta no mercado.

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