por Gustavo Jaccottet Freitas (advogado)
Ao tomar conhecimento de que a Apple registrou a “bagatela” de 2.003 patentes nos Estados Unidos em 2014, fiquei estupefato ao ver que esse número significava apenas o 11º lugar entre as empresas que requereram o registro de novas patentes — nos EUA.
Brasil, via Shutterstock.
Analisando friamente os números, nota-se que a Apple fica bem aquém de concorrentes como Google e Microsoft, o que acentua ainda mais o problema sobre o qual quero dialogar: no Brasil são registradas uma média de 3.108 patentes por ano — tomando como base os dados fornecidos pelo INPI (Instituto Nacional de Propriedade Industrial), órgão de Estado, vinculado à pasta do Ministério da Ciência e Tecnologia.
Para que fique bem claro, uma patente é algo que integra a propriedade intelectual de uma pessoa física e/ou jurídica. Explico: há dois tipos de propriedade, a material, cujo exemplo pode ser um carro ou uma sala comercial, e a imaterial (também chamada de intelectual), cujos principais exemplos são as marcas, as patentes e os segredos industriais.
Uma patente é dividida em duas modalidades:
- Patente de invenção: aqui, a exigência é o respeito ao princípio da inventividade/novidade — que deve possuir utilidade industrial. Ou seja, trata-se de um produto novo. Vale salientar que apenas uma patente não é o bastante para que um único produto seja comercializado. O iPhone, por exemplo, a cada ano, é acrescido de novas tecnologias patenteadas pela Apple.
- Modelo de utilidade: é algo que apresenta uma melhoria funcional em razão de um objeto já existente.
Feita esta breve explicação, vamos ao que interessa.
O Brasil possui um total aproximado de 42.000 patentes válidas. Entre os anos de 2003 e 2013 foram concedidas um total de 34.189 patentes. Para se ter uma ideia, o Brasil ocupa apenas o 19º lugar entre os 20 países considerados como referências em inovação. É um dado realmente preocupante. Em breve a Apple terá um número maior de patentes registradas em seu nome do que todas as patentes registradas junto ao INPI. A questão é: o que leva a termos esse baixo número de patentes registradas?
Vou tão somente opinar sobre quais os motivos que me levam a crer que o Brasil precisa, com urgência, adotar uma nova política de propriedade industrial. A lei que rege o registro de marcas e patentes no Brasil é de 1996, ou seja, tem quase 20 anos, e a burocracia para se requerer a concessão de uma patente é assustadora. No ramo das telecomunicações, por exemplo, a espera pelo registro pode ser superior a 14 anos!
Isso nos torna cada vez mais dependentes do potencial industrial que vem do exterior, e o governo coloca sérios entraves a isso. Um dos bons exemplos foi o desenvolvimento da TV digital. Em 1998, quando o Ministério das Comunicações decidiu que esse sistema seria adotado no Brasil, havia três tecnologias a serem escolhidas: a dos EUA, a da Europa e a do Japão. Na época, o ministro Miro Teixeira deu uma entrevista ao Programa do Jô afirmando que o “nosso sistema” seria inovador, diferente dos outros três. Passados 14 anos do início do processo de desenvolvimento da TV digital, ela ainda é uma realidade que entrava não só o acesso à tecnologia em si, mas que atrapalha o desenvolvimento de algo que é ainda mais importante; a internet banda larga via rede de dados celular.
Peru, via Shutterstock.
Analisando o ranking divulgado aqui MacMagazine, vi que a Ericsson registrou 1.537 nos EUA no ano de 2014. Logo decidi entrar no site da empresa sueca e vi algo que me chamou muita atenção: em parceria com o governo do Peru, a Ericsson está desenvolvendo todo um sistema de banda larga via 4G (LTE) para as zonas afastadas das grandes cidades. Notem que não estou falando de um país de outro continente, e sim de um vizinho.
A falta de investimentos na área de engenharia aliada à péssima educação de base que há por aqui esconde um grande número de gênios que poderiam servir à indústria nacional. O que acontece, pelo contrário, é que quando um desses gênios surge, ele é contratado por alguma dessas empresas que estão no ranking. O país não oferece nem condições de desenvolvimento, tampouco uma oferta favorável para que essas pessoas fiquem por aqui e desenvolvam o seu trabalho.
É lamentável ter de constatar que, para um país que se apresentava como “do futuro”, estamos caminhando a passos de tartaruga em relação aos próprios BRICs. Juntas, Rússia, China e África do Sul possuem quase 10 vezes mais patentes registradas que o Brasil.
Para encerrar, gostaria de convidá-los a refletir sobre um pequeno dado: o valor de mercado da Apple, que registrou quase o mesmo número de patentes que o Brasil em apenas um único ano, é quase o mesmo que o valor de mercado somado de todas as empresas que negociam seus papéis na BOVESPA (tomando por conta a perda de valor de mercado da Petrobras).
Quando se diz: aqui temos o iPhone mais caro do mundo, poderíamos ainda dizer que temos um potencial de crescimento cada vez mais enrustido. É por isso que não me causa estranheza ver que os concursos públicos são o sonho de consumo da grande maioria dos recém-saídos de um curso superior; em contrapartida, é a iniciativa privada que é responsável pelos maiores ganhos em pesquisa e desenvolvimento (P&D) em todos os países do mundo.
Basta ver os números da Maçã e compará-los ao do Brasil inteiro. Para um leigo, como eu, creio que isto explica muitas coisas.