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O real impacto das medidas ambientais da Apple

A empresa realmente tem feito o bastante para se tornar completamente ecológica?

Em 2020, a Apple anunciou seu ambicioso plano de se tornar 100% neutra em emissões de carbono até 2030 — algo inédito para a empresa e, até mesmo, para a indústria como um todo. Tal decisão pode ser vista como o objetivo final de todas as medidas adotadas pela Maçã nos últimos anos em prol de uma imagem verde e sustentável, buscando se tornar um símbolo de respeito ao meio ambiente.

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Desde então, a companhia vem intensificando suas ações de sustentabilidade, anunciando uma série de medidas que buscam reduzir seu impacto no planeta ano após ano. Boa parte delas foram bem recebidas pela comunidade, enquanto outras causaram tanta confusão que fizeram muitos fãs questionarem a real intenção da companhia em relação à sua postura ambiental.

Embora cada produto lançado represente um avanço na sua jornada até a neutralidade, especialmente com novas embalagens e materiais reciclados, é válido perguntar o quão ecologicamente correta a Apple realmente é. Afinal, essas medidas são largamente usadas pela empresa em apresentações e campanhas publicitárias.

Para descobrir essa resposta, vamos analisar, neste artigo, algumas das principais ações promovidas pela empresa e o seu efeito prático no planeta na hora de promover a sustentabilidade.

Uso de fontes de energia sustentáveis

Um dos principais objetivos da Apple para a próxima década é passar a utilizar fontes de energia sustentáveis em todas as etapas da produção de seus produtos. Isso se deve pelo fato de que grande parte do carbono emitido pela empresa na atmosfera terrestre vem da geração da energia usada para fabricar desde iPhones até os mais diversos modelos de Macs.

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Em 2018, a companhia deu o primeiro passo em direção a essa meta, ao anunciar que 100% de suas operações — o que inclui coisas como data centers, lojas e os seus vários escritórios espalhados pelo mundo — já haviam migrado para alternativas limpas e renováveis. Essa notícia foi recebida com grande pompa pela mídia e por autoridades internacionais, que parabenizaram a Maçã pelo importantíssimo marco. A própria Organização das Nações Unidas (ONU), por exemplo, chegou a premiá-la pouco mais de um ano depois pela conclusão da transição.

Contudo, embora essa notícia tenha sido, sim, uma conquista e tanto não só para a Apple, mas para a indústria como um todo, ela ainda está longe de colocá-la perto do seu sonho de ser totalmente verde. De acordo com o relatório de responsabilidade ambiental divulgado pela empresa em 2019, essas operações representam apenas 2% de toda a sua pegada de carbono — algo ainda pequeno se comparado ao impacto de suas outras atividades.

Extração de materiais

A maior parte da energia consumida pela Apple é oriunda da extração dos materiais utilizados na produção dos seus produtos. Uma tonelada de silício (Si), encontrado em placas lógicas, por exemplo, é obtida pelo aquecimento de quartzo em fornalhas industriais a temperaturas de aproximadamente 2.000°C, o que demanda uma quantidade colossal de energia para ser feito (cerca de 10MWh a 12MWh).

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O maior produtor mundial e principal fornecedor desse material para a Apple é a China, responsável por cerca de 66% de todo o silício usado na indústria. Ao mesmo tempo, 65% de toda matriz energética do país asiático vem da queima de carvão mineral, conhecido por ser uma fonte não renovável e por liberar quantidades significativas de gás carbono na atmosfera.

Fazenda de energia eólica

A Apple até chegou a promover o uso de fontes de energia limpas na China nos últimos anos, mas de uma forma um tanto tímida, limitando-se às etapas mais avançadas da produção.

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Um exemplo é o China Clean Energy Fund, programa criado em 2018 para destinar cerca de US$300 milhões em investimentos para energia limpa no país. Além de incentivar pequenos e médios negócios a partir para fontes de energia mais ecológicas, o projeto também mirou as várias linhas de montagem da Apple no país, responsáveis pela fabricação de cerca de 30% dos iPhones em todo o mundo.

Além disso, segundo a empresa, mais de 4 gigawatts de energia renovável foram adicionados à sua cadeia de fornecimento, o que já contribuiu para evitar a emissão de mais de 8 milhões de toneladas carbono na atmosfera. Ademais, cerca de 110 fornecedores da empresa já assumiram o compromisso de migrar para fontes de energia limpa.

Tudo isso é, claro, muito bem-vindo, mas deixa de fora justamente a etapa mais poluente de toda a produção: a extração dos materiais — que continua, até os dias de hoje, largamente dependente do carvão mineral.

Para que o uso de fontes de energia sustentáveis tenha um efeito mais substancial na hora de diminuir a pegada ecológica da Maçã, a companhia deve, também, levá-las a outras etapas da sua cadeia de produção, que pode ser considerada a maior “culpada” nessa história toda.

Mesmo assim, é esperado que essa transição ainda leve um bom tempo para ser concretizada, já que algumas de suas principais parceiras, como a Foxconn, apresentaram certa resistência a esse plano, levando, em alguns casos, mais de um ano para se comprometerem com a meta — o que certamente poderá atrasar os planos da Apple.

Reciclagem de materiais

Um dos principais impactos ambientais ligados a empresas de tecnologia como a Apple é a geração desenfreada de lixo eletrônico, responsável por aumentar consideravelmente o nível de materiais poluentes acumulados na natureza.

Essa pauta tem recebido grande atenção da Maçã nos últimos tempos, o que a levou, entre outras coisas, a retirar o carregador e os EarPods das caixas dos iPhones — uma das maiores polêmicas de 2020 no mundo da tecnologia.

No entanto, essa não foi a única medida adotada pela companhia nos últimos anos para diminuir a quantidade de lixo eletrônico produzida pelos seus produtos. Desde que a Apple começou a intensificar o uso do alumínio em seus designs, em meados dos anos 2000, ela vem aumentando cada vez mais a quantidade de material reciclado nos seus produtos, inclusive criando uma liga própria desse metal 100% reciclada. Outros materiais utilizados pela Maçã, como o ouro e tungstênio, também seguiram esse caminho.

MacBook e alumínio

Contudo, para que essa atitude tenha efeito prático, seria necessário que todos — ou pelo menos a maior parte — (d)os dispositivos vendidos pela Apple fossem descartados regularmente e efetivamente reciclados, algo que, embora possa estar, de certa forma, fora da alçada da companhia, ainda figura como o aspecto principal do problema. Do contrário, tais materiais ainda continuariam a se acumular na natureza — afetando os diversos ecossistemas do planeta.

De acordo com Edney Eboli dos Santos, professor de Ecodesign da Faculdade de Tecnologia Victor Civita (Fatec Tatuapé), a reciclagem ajuda a diminuir os impactos da produção de novos produtos, mas precisa ser acompanhada de outras preocupações.

A extração de materiais virgens exige grandes quantidades de energia e pode gerar gases poluentes que contribuem ao efeito estufa, intensificando o processo de aquecimento global. A reciclagem do alumínio já utilizado em outro produto, por exemplo, tem menor impacto ambiental se comparado à extração da bauxita.

A reciclagem de materiais deve levar em consideração possíveis perdas de propriedades químicas, mecânicas e/ou características estéticas de alguns materiais reciclados, o que exige um planejamento das porcentagens de materiais virgens e reciclados que são utilizados em cada aplicação nos produtos.

Robô Daisy

Para tentar influenciar também nessa parte do ciclo do produto, a Apple desenvolveu robôs como a Daisy, projetada para desmontar e separar peças de cerca de 200 iPhones por hora para reciclagem. Contudo, embora esses números sejam, no mínimo, impressionantes, eles ainda são insuficientes para garantir que cada aparelho tenha um fim adequado.

Robô Daisy da Apple para desmontagem de iPhones

Para que o seu iPhone, por exemplo, não contribua para o acúmulo de lixo eletrônico no meio ambiente, cada aparelho teria que ser mantido em uma espécie ciclo controlado pela própria Apple, que por sua vez se encarregaria não só de vender o produto, mas também de dar um fim adequado a ele.

Vale notar que a Maçã já possui iniciativas nesse sentido, como o seu programa de Trade In, que estimula consumidores a entregarem seus aparelhos antigos para a empresa em troca de um desconto na compra do novo — o que garante um descarte adequado. Entretanto, iniciativas como essa por parte da Apple ainda são um tanto tímidas, e estão limitadas a pouco mercados (o Brasil, por exemplo, nunca chegou a contar com o programa).

Nesse sentido, Edney destaca que o alcance desse tipo de medida deve ser o principal foco da empresa:

Para garantir a eficácia de programas como o de Trade In, deve-se pensar em sua viabilidade, divulgação e prática em todos os mercados onde os produtos são comercializados. Tal estratégia torna-se mais eficiente à medida que as condições de devolução do produto usado sejam mais acessíveis ao consumidor, considerando, por exemplo, a distribuição dos pontos de coleta, a facilidade de acesso e das condições que o usuário terá à sua disposição para realizar esta entrega/troca.

O uso de materiais reciclados na produção de iPhones, iPads, Macs e Apple Watches é, com certeza, algo importante para uma empresa que almeja se tornar 100% verde. Mesmo assim, para que suas ações tenham efeito prático visível, a Apple precisa assumir boa parte da responsabilidade pelo descarte dos aparelhos. Um bom começo seria, sem dúvidas, expandir o seu programa de Trade In globalmente e, quem sabe, instalar centros de descarte em várias localidades dos países onde opera.

Investimento em programas sociais

Existe um consenso na comunidade científica de que não se pode haver justiça ambiental sem justiça social. Em outras palavras, de pouco adianta uma empresa investir apenas em si mesma para se tornar verde enquanto as comunidades que a rodeiam ainda estão longe de ter acesso a todos os avanços ambientais.

Tal dinâmica se faz ainda mais presente em comunidades pobres ou tradicionalmente marginalizadas, que geralmente são as que mais sofrem com as mudanças climáticas provocadas pela grande indústria.

Apple e energia limpa, placas solares

A Apple, por sua vez, tem feito um bom trabalho nos últimos anos no que diz respeito à sua responsabilidade socioambiental, principalmente após a chegada de Lisa Jackson, vice-presidente de iniciativas ambientais, políticas e sociais. O maior exemplo de todos é o programa Power for Impact, inaugurado pela empresa em 2019.

O Power for Impact tem o objetivo de ajudar a diminuir a emissão global de carbono por meio de programas sociais em países periféricos do capitalismo mundial. Desde o seu lançamento, o programa inaugurou usinas de energia solar em países como Filipinas, Tailândia e África do Sul, as quais ajudam a fornecer energia renovável para regiões com acesso limitado a eletricidade.

Outro projeto conhecido é o Impact Accelerator, que busca dar apoio a estudantes e afroempreendedores na busca por inovações ambientais no EUA. A iniciativa faz parte de um fundo de US$100 milhões da gigante de Cupertino para justiça e equidade racial, e já foi responsável por apoiar mais de 15 companhias em solo americano. A ideia principal é que cada uma possa contribuir com soluções ecológicas acessíveis não só para a cadeia de fornecimento da própria Apple, mas para as suas respectivas comunidades.

Reparabilidade

Recentemente, a Apple anunciou seu novo programa de reparos independentes depois de muita pressão do movimento Right to Repair, que há anos luta por um maior nível de reparabilidade nos eletrônicos modernos: o Apple Self Service Repair.

Essa iniciativa chega em um momento em que a companhia tem sido muito criticada pela baixíssima reparabilidade de seus produtos, cada vez mais invioláveis e menos personalizáveis. Tornou-se rotineiro que um novo dispositivo da Maçã receba sempre uma nota no mínimo vergonhosa da iFixit, por exemplo, firma de reparo que sempre faz teardowns de novos lançamentos da empresa.

Essa postura, é claro, está longe de ser ecologicamente correta. O fato de a Apple limitar o acesso a peças de substituição, ferramentas e manuais de reparo, impacta de forma direta o acúmulo de lixo eletrônico na natureza. Afinal, nem todo mundo tem dinheiro (ou coragem) de pagar o valor de um dispositivo novo no conserto de um iPhone ou Mac.

Segundo o professor, a reparabilidade é uma característica indissociável de qualquer design que se diga ecologicamente correto:

A reparabilidade de produtos é um princípio muito importante do Ecodesign que deve ser planejado e conceituado no início de qualquer estratégia de projetos, programas e portfólio das empresas. Quando tratado como premissa, é capaz de aumentar a vida útil de determinado produto, contribuindo com o meio ambiente, com a melhoria da imagem da marca e, consequentemente, com a competitividade da empresa.

Desta forma, soluções de montagens, desmontagens, conceitos de modularidade, sistemas de fixações entre componentes, conjuntos e subconjuntos que possibilitem a troca de peças danificadas e o aproveitamento de componentes que ainda estejam em condições apropriadas de uso, são estratégias importantes que contribuem para o aumento da vida útil e evitam o descarte prematuro do produto, de acordo com os princípios do Ecodesign.

Embora o novo programa seja uma evolução e uma novidade muito bem-vinda no quesito reparabilidade, a Apple ainda está a anos-luz de poder ser considerada uma empresa verde. Para que coisas como essa funcionem de fato, cada produto lançado pela companhia deve ser projetado com a sua reparabilidade em mente, de forma a prolongar sua vida útil.

Afinal, a Apple pode ser considerada uma empresa “verde”?

A Apple é uma empresa extremamente complexa, digna de um estudo de caso de nível acadêmico. Essa característica não podia deixar de estar presente, também, nas suas ações ecológicas, ora tão claras como a luz do dia e ora tão controversas e cinzentas como uma empresa trilionária pode ser.

No entanto, é inegável que, entre todos os personagens dessa gigante indústria, a Maçã consegue se destacar como uma das que mais tem tentado promover um futuro mais saudável, tanto para o planeta quanto para as pessoas que nele vivem.

A boa notícia é que as questões ecológicas por de trás dos produtos têm se tornado algo cada vez mais importante no mercado, podendo ser um verdadeiro “deal-breaker” para muita gente. Para Edney, essa mudança de postura traz efeitos que ecoam no mercado como um todo:

Todas as iniciativas das empresas com foco em melhorar seus processos, produtos e serviços a fim de buscar mitigar efeitos nocivos no meio ambiente são muito bem-vindas, em especial quando tais estratégias partem de gigantes multinacionais, não só pelo potencial impacto positivo dos produtos que produz e comercializa, mas também por toda a inspiração que promove em suas cadeias produtivas e até mesmo nas de suas concorrentes, uma vez que a imagem da marca, associada ao conceito de “empresa ecológica”, é cada vez mais importante como fator decisório de compra pelo consumidor.

Dizer que uma empresa é 100% ecológica é muito relativo. Temas relacionados à sustentabilidade apresentam uma grande diversidade de opiniões pois tendem a esbarrar na subjetividade dos diferentes atores sociais, suas percepções acerca do que é ou não urgente ao planeta e sobre o que a humanidade deve renunciar em termos de cultura, consumo e “bem-estar” para a construção de um possível cenário de um mundo mais sustentável.

Consumidores, cientistas, governos, empresas e ONGs podem apresentar diferentes visões acerca do que é urgente, prioritário e necessário para o planeta.

É claro que a Maçã ainda tem um longo caminho a trilhar até poder se autointitular uma empresa completamente verde. O que não faltam são contradições nas costas dela. O que podemos fazer, como consumidores, é votar com o nosso dinheiro — a única coisa capaz de promover alguma mudança nesse mundo corporativo — e continuar pressionando as empresas a fazer algo a respeito.

De qualquer forma, é possível afirmar que, dado os padrões da nossa sociedade moderna, a Apple parece ser a mais ecológica entre as empresas de mesmo porte. Resta-nos esperar para ver quais avanços a próxima década trará para a companhia.

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