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A regulamentação das redes sociais está no horizonte

Na última quarta-feira, o Comitê Judiciário do Senado dos Estados Unidos recebeu Jason Citron (CEO 1Chief executive officer, ou diretor executivo. do Discord), Evan Spiegel (CEO da Snap), Shou Chew (CEO do TikTok), Linda Yaccarino (CEO do X) e Mark Zuckerberg (CEO da Meta) para uma audiência intitulada “Big Tech e a Crise da Exploração Sexual Infantil Online” 2Tradução livre para “Big Tech and the Online Child Sexual Exploitation Crisis”..

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Ao longo de aproximadamente 4 horas, 19 senadores republicanos e democratas se revezaram para interrogar os executivos sobre os esforços (ou a falta deles) para combater não apenas abuso sexual online, mas outras formas de negligência e de falta de ação das empresas nas suas plataformas, incluindo questões relacionadas a saúde mental, autoestima, comercialização de medicamentos controlados ou proibidos e, é claro, moderação.

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Se você, assim como eu, já havia assistido aos outros interrogatórios de CEOs de tecnologia, provavelmente já sabia o que esperar: políticos mal informados, incapazes de compreender a tecnologia sobre a qual eles estavam perguntando (e pior, tentando legislar) e, muitas vezes, apenas aproveitando a oportunidade para fazer teatro para seus constituintes, em longas sessões de verborragia agressiva repletas de falácias e falsas equivalências, sem muito norte ou ponto central.

Não foi o caso. Bem, quase não foi o caso. O elenco do teatro da indignação marcou presença, afinal, é ano eleitoral. Porém, ao contrário dos outros interrogatórios, boa parte dos senadores estava preparada e bem informada para apontar as deficiências de cada rede social, além de debater mais profundamente a necessidade de reformar (ou até mesmo eliminar) a Seção 230, que basicamente isenta as empresas de tecnologia da responsabilidade sobre as atitudes dos seus usuários.

Clima carregado

Nos primeiros minutos, já ficou claro que não haveria qualquer chance de vitória para os executivos.

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Na plateia, dezenas de familiares seguravam cartazes e fotos de jovens que haviam perdido a vida de forma relacionada a redes sociais. Antes de ajuramentar os executivos, um vídeo foi exibido com depoimentos de sobreviventes, bem como de parentes de vítimas fatais.

Já em sua declaração inicial, o presidente da sessão, Senador Dick Durbin, fez questão de ressaltar que, enquanto os CEOs da Meta e do TikTok haviam concordado em depor de forma voluntária, foi necessário intimar os outros três executivos, com direito ao envio de agentes do US Marshalls Service no caso do CEO do Discord.

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Antes das primeiras perguntas, os cinco diretores leram declarações em que elencaram os pálidos esforços de combate a abuso infantil das suas redes sociais (digo “pálidos” frente à quantidade de casos que de fato acontecem); alguns também trataram de dizer que eles próprios têm filhos, na esperança de criar um laço de empatia e de conexão com o problema. Não deu certo.

Logo nas primeiras perguntas, após Durbin ter citado especificamente o X como um exemplo de como as empresas só tomam atitudes quando a água bate na retaguarda 3O X anunciou nos últimos dias que pretende criar uma divisão de segurança e confiabilidade no Texas, com 100 funcionários. Isso vem após a extinção do conselho de segurança e confiabilidade em dezembro de 2022, e a demissão de equipes de moderação ao redor do mundo., ficou claro que, por mais que os cinco CEOs estivessem presentes, apenas dois interessavam de verdade aos senadores: Mark Zuckerberg e Shou Chew.

O desempenho de cada CEO

Jason Citron, de longe o mais inexperiente dentre os executivos, esteve lá a passeio. Nas poucas vezes em que foi perguntado algo de forma individual, Citron apenas tentou ler declarações pré-escritas, em meio a interrupções dos senadores. Citron tentou em vão explicar que o Discord apoia a intenção das leis de proteção infantil que vêm sendo tramitadas, mas que não concorda com as regras em sua totalidade

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Evan Spiegel, talvez o que melhor se preparou para o interrogatório, foi sucinto e direto em suas respostas. Ele detalhou (na maioria das vezes) as informações e os dados solicitados pelos senadores. Com um discurso confiante e fluido, em contraste com a fala gaguejante da maioria dos seu pares, Spiegel pareceu o executivo que menos tinha algo a perder durante a sessão, apesar de o seu público possivelmente ser o que mais é composto por menores de idade.

Linda Yaccarino, em sua estreia no que provavelmente serão muitos depoimentos enquanto for CEO do X, mostrou desde os primeiros segundos que seu objetivo era um só: aproveitar cada oportunidade para vender o X como um serviço novo e incólume, livre dos pecados (e das consequências) do Twitter.

Em dado momento, ela se referiu ao X como uma empresa que tem “apenas 14 meses de vida”, e afirmou que “somente 1% dos seus usuários ativos nos EUA são adolescentes”. Nem todos compraram essas duas ideias, mas não precisava. A exemplo de Spiegel e Citron, Yaccarino passou a maior parte do tempo assistindo aos acontecimentos.

Com Shou Chew, o maior problema dos senadores ainda é (e sempre será) o fato de o TikTok pertencer à chinesa ByteDance. Na verdade, pouco se discutiu a respeito de segurança infantil no app. Porém, nas raras vezes em que isso foi assunto, Chew respondeu com fatos que indicaram que a plataforma é, possivelmente, a que mais disponibiliza ferramentas e alternativas de controle parental e uso responsável.

Na maior parte do tempo, durante o teatro de indignação promovido por parte dos senadores, Chew soube quando deixar registrado que uma afirmação era equivocada, e quando seria melhor apenas manter-se em silêncio, ciente que nada do que dissesse seria assimilado ou tomado como verdade.

Por fim, chegamos a Mark Zuckerberg. Muito diferente de depoimentos passados — e especialmente o de 2018, em que apresentou um semblante absolutamente inexpressivo e calmo a ponto de beirar a apatia —, Zuckerberg estava agitado, irritado e suado. Em múltiplas situações, ele e um ou outro senador falaram um por cima do outro, refutando mutuamente acusações de distorção e de mentira. Foi um caos.

Talvez o segmento que melhor ilustre essa situação seja a troca de farpas entre Zuckerberg e o senador Josh Howley, do estado do Missouri. Howley, alguns devem se lembrar, ganhou projeção em 6 de janeiro de 2021, quando fez gestos de incentivo aos invasores do Capitólio. Poucas horas depois, foi flagrado pelas câmeras de segurança fugindo pela porta dos fundos.

Pois bem. Em um momento que certamente será lembrado por anos, Howley usou sua vasta experiência em antagonização para desafiar um Zuckerberg (já bastante irritado) a pedir desculpas às famílias que estavam na plateia. Zuck cedeu, para o provável desespero do time legal da Meta.

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Mark Zuckerberg pede desculpas às famílias das vítimas de abuso em redes sociais.

O desempenho dos senadores

A verdade é que, se a liderança das maiores redes sociais do mundo tem culpa pelo abuso ou pela morte de jovens usuários, os legisladores são igualmente culpados. Há quase três décadas, os órgãos públicos são incapazes de acompanhar a evolução das ferramentas de comunicação oferecidas pelas gigantes da tecnologia e, nas raras oportunidades em que tentam agir, o resultado chega tão tarde que a tecnologia regulada já está ultrapassada e caindo em desuso.

Há também, é claro, o problema do lobbying. Em 2023, as maiores empresas de tecnologia investiram, coletivamente, mais de US$70 milhões em influência em Washington, com a Meta (US$19,2 milhões) e a Amazon (US$17,8 milhões) puxando a fila. A Apple, a título de informação, gastou US$9,6 milhões.

Isso, porém está prestes a mudar. Durante todo o interrogatório, os senadores americanos se referiram a cinco projetos de lei de proteção infantil:

  • EARN IT Act 4Sigla para Eliminating Abusive and Rampant Neglect of Interactive Technologies Act, ou Lei de Eliminação da Negligência Ampla e Abusiva de Tecnologias Interativas., que remove a proteção das empresas contra assuntos relacionados a materiais de abuso sexual infantil (CSAM).
  • STOP CSAM Act 5Sigla para Strengthening Transparency and Obligations to Protect Children Suffering from Abuse and Mistreatment Act, ou Lei de Aumento da Transparência e das Obrigações Para Proteger Crianças Sofrendo de Abuso e Maus Tratamentos., que quer aumentar a obrigação da divulgação de informações de casos de abuso, além de expandir as proteções das vítimas e facilitar o recebimento de restituições.
  • SHIELD Act 6Sigla para Stopping Harmful Image Exploitation and Limiting Distribution Act , ou Lei Para a Interrupção da Exploração e Limitação da Distribuição de Imagens Prejudiciais., que quer preencher lacunas na legislação existente e que impedem os promotores de responsabilizar quem compartilha imagens sem consentimento.
  • Project Safe Childhood Act 7Projeto Infância Segura., que quer promover o desenvolvimento de novos softwares, técnicas e ferramentas para ajudar os promotores federais e as agências de investigação no combate a crimes de exploração sexual infantil online.
  • REPORT Act 8Revising Existing Procedures on Reporting Via Technology, ou Lei de Revisão de Procedimentos Existentes Para Denúncias Por Meio da Tecnologia., que quer atualizar a lei federal que rege a denúncia (e a investigação) de suspeitas de exploração sexual e abuso de crianças.

Em múltiplas oportunidades, eles pressionaram os executivos a apoiarem publicamente essas (e outras) leis, e falharam em quase todas. As exceções foram a Snap e o X, que apoiaram a KOSA Act 9Kids Online Safety Act, ou Lei de Segurança Infantil Online. que, assim como as anteriores, propõe uma série de medidas para combater o cyberbullying e proteger a privacidade dos jovens.

Além dessas leis que, inevitavelmente ganharão mais força e apoio popular nos próximos dias, a Seção 230 também foi bastante discutida e criticada. Criada em 1996, para aliviar o lado das empresas durante a fragilidade do período inicial e promissor da internet, a lei atualmente serve como um escudo das redes sociais cada vez que alguém tenta responsabilizá-las por não fazerem o suficiente contra abusos ou em assuntos relacionados a moderação.

Em mais uma demonstração de união bipartidária (as cinco leis mencionadas anteriormente também têm apoio bipartidário), todos os senadores concordaram que a Seção 230 precisa ser repensada e, até mesmo, eliminada.

Em múltiplas oportunidades, os senadores fizeram perguntas como “Por que o setor de tecnologia ainda é o único que desfruta desse tipo de proteção tão ampla?”, “Por que essas famílias não podem te processar?”, “Por que a proteção da Seção 230 é automática, ao invés de algo conquistado?”, e receberam múltiplas versões de “uhm…”, “veja bem…”, “então…” como resposta.

Ao longo das quase quatro horas de perguntas, os senadores americanos mostraram que eles finalmente estão um passo à frente dos truques retóricos e de discurso que as empresas de redes sociais vêm empregando há quase duas décadas, para fugir de regulamentações mais estritas a fim de proteger usuários vulneráveis.

Mais do que isso, eles mostraram que sabem que o setor de tecnologia passou os últimos anos não apenas torcendo, mas contando com a ineficiência na regulação das leis.

É claro que políticos vivem de promessas, e que será prudente somente acreditar em mudanças quando elas de fato começaram a ocorrer. Mas, pela primeira vez em muitos anos e em inúmeros depoimentos, a minha impressão foi que a probabilidade de algo significativo acontecer aumentou, ao invés de diminuir.

Notas de rodapé

  • 1
    Chief executive officer, ou diretor executivo.
  • 2
    Tradução livre para “Big Tech and the Online Child Sexual Exploitation Crisis”.
  • 3
    O X anunciou nos últimos dias que pretende criar uma divisão de segurança e confiabilidade no Texas, com 100 funcionários. Isso vem após a extinção do conselho de segurança e confiabilidade em dezembro de 2022, e a demissão de equipes de moderação ao redor do mundo.
  • 4
    Sigla para Eliminating Abusive and Rampant Neglect of Interactive Technologies Act, ou Lei de Eliminação da Negligência Ampla e Abusiva de Tecnologias Interativas.
  • 5
    Sigla para Strengthening Transparency and Obligations to Protect Children Suffering from Abuse and Mistreatment Act, ou Lei de Aumento da Transparência e das Obrigações Para Proteger Crianças Sofrendo de Abuso e Maus Tratamentos.
  • 6
    Sigla para Stopping Harmful Image Exploitation and Limiting Distribution Act , ou Lei Para a Interrupção da Exploração e Limitação da Distribuição de Imagens Prejudiciais.
  • 7
    Projeto Infância Segura.
  • 8
    Revising Existing Procedures on Reporting Via Technology, ou Lei de Revisão de Procedimentos Existentes Para Denúncias Por Meio da Tecnologia
  • 9
    Kids Online Safety Act, ou Lei de Segurança Infantil Online.

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