O recente imbróglio (e mais um para a conta) entre a Apple e a China está dando água pela barba; depois da divulgação do memorando de Tim Cook para os funcionários da Maçã defendendo o banimento do app HKmap.live, inúmeras pessoas reagiram à atitude da gigante de Cupertino, entre elas o legislador de Hong Kong, Charles Mok, como divulgado pelo Business Insider.
Mok escreveu uma carta para o CEO1Chief executive officer, ou diretor executivo. da Maçã explicando por que a posição assumida por ela ofendia a população chinesa, Em apoio ao app banido, Mok argumentou que ele existia para ajudar os usuários: “Os cidadãos evitam áreas onde pedestres não envolvidos em atividades criminosas podem ser submetidos à brutalidade policial.”
O legislador sugere, ainda, que a Apple reveja suas ações tomando como ponto de partida seus valores, e não os lucros.
Em outro determinado ponto da carta, Mok afirma que os cidadãos de Hong Kong examinarão de perto se a Apple escolherá “manter seu compromisso com a liberdade de expressão e outros direitos humanos fundamentais”, ou se a empresa se tonará “cúmplice da censura e da opressão chinesa”.
Quanto ao banimento do HKmap.live, o legislador inferiu que, se a Apple realmente deseja inibir o acesso a informações sobre atividades policiais na China, ela deveria proibir também apps de plataformas sociais, como o Twitter, e de mensagens, a exemplo do WhatsApp — os quais também são usados para compartilhar alertas semelhantes em tempo real por lá.
O tamanho da China para a Apple
Mok não foi o único legislador a criticar a Apple por sua ambígua decisão; o senador republicano Josh Hawley também opinou sobre a situação, indagando: “Quem está realmente comandando a Apple? Tim Cook ou Pequim?”
Ainda que retórico, esse questionamento é comercialmente compreensível: a Apple precisa da China. Mais do que isso, a Maçã chegou a um ponto em que a maioria das empresas de tecnologia dos Estados Unidos não conseguiram: quase todos os sites e serviços do Google, por exemplo, estão bloqueados na China continental, ao passo em que o Twitter, o Facebook e a Netflix não tem participação nenhuma no país, enquanto a Amazon tem uma presença ínfima, como noticiado pela Vox.
Contudo, não ter penetrado no mercado chinês (tanto quanto a Apple) talvez tenha sido algo positivo para essas empresas, segundo a reportagem da Vox. Além de preocupações éticas sobre o comprometimento com as autoridades da China para obter acesso aos bilhões de consumidores do país, trabalhar por lá pode se tornar ruim para a marca — a exemplo do que vem acontecido com a Maçã —, como inferido pelo colunista do New York Times, Farhad Manjoo:
Trabalhar com a China não vale o custo moral. O país é uma ameaça crescente e existencial à liberdade humana em todo o mundo.
Mas não é assim que a Apple enxerga sua presença no país. Em 2017, Cook enviou uma carta para senadores americanos na qual defendia a participação da empresa por lá:
Acreditamos que nossa presença na China ajude a promover uma maior abertura e facilite o livre fluxo de ideias e informações. Estamos convencidos de que a Apple pode promover melhor os direitos fundamentais, incluindo o direito à liberdade de expressão, participando mesmo quando discordamos das leis de um país em particular.
Influência no Apple TV+
Essa “importância” (como chamamos a relação entre a Apple e a China) atravessa não só a questão moral da companhia, mas também alguns de seus produtos/serviços, a exemplo do Apple TV+. A emergente plataforma de streaming de vídeo da companhia pode servir como uma arma para a propagação de opiniões, e justamente por isso o alto escalão da Maçã decidiu garantir que nada de ruim sobre a China seja divulgado em alguma de suas séries originais, de acordo com uma nova reportagem do BuzzFeed News.
Isso teria começado em 2018, quando as produções para o Apple TV+ começaram, momento em que alguns executivos da companhia teriam orientado alguns criadores a “evitarem retratar a China de maneira ruim”. Segundo fontes da agência de notícias, as “instruções” foram dadas pelo vice-presidente de software e serviços da Apple, Eddy Cue, e também por Morgan Wandell, chefe de desenvolvimento de conteúdo internacional da Apple.
Naturalmente, a tentativa de afastar as críticas à China de seus conteúdos originais faz parte dos esforços da Apple para manter uma boa relação com Pequim e evitar que um mal-estar ocorrido em 2016 se repita, quando a Administração Estatal de Imprensa, Publicação, Rádio, Cinema e Televisão da China fechou temporariamente a loja online de filmes e livros da empresa (iTunes Store) por estarem supostamente ligadas ao lançamento de um filme proibido no país, o qual retratava Hong Kong de uma maneira negativa.
Manda quem pode, obedece quem tem juízo… mas será esse, o caso entre a Apple e a China?
via 9to5Mac: 1, 2; Daring Fireball
Notas de rodapé
- 1Chief executive officer, ou diretor executivo.