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Entrevista: Rainer Brockerhoff fala sobre o projeto do “Macintosh brasileiro”

Colaboração especial por Camilo Telles; artigo publicado originalmente no tellEsfera.

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Sou o tipo de cara que adora mostrar as coisas boas que acontecem pelo Brasil, as histórias de engenheiros e técnicos que produzem ou produziram coisas no nosso país.

Aproveitando este mote, resolvi relembrar uma história pouco conhecida da computação nacional: o Macintosh brasileiro (chamado Mac 512). Resolvi fazer isso entrevistando o Rainer Brockerhoff, hacker de mão cheia que conhece as minúcias do Mac como — eu acredito — nenhum outro brasileiro conhece e que participou do desenvolvimento do Macintosh brasileiro.

Rainer BrockerhoffUnitron Mac 512

Fiz isso no modelo de 10 perguntas, que você confere abaixo:

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1) Qual é a sua história e como você entrou no projeto do Macintosh brasileiro?

Comecei a trabalhar como programador em 1969. Na época, praticamente só havia computadores em bancos e universidades. Em 1977, comprei um Apple II para uso doméstico e, alguns anos depois, quando começaram a surgir os primeiros microcomputadores nacionais, comecei a trabalhar num dos fabricantes, a Quartzil. Lá, fui responsável pelo sistema operacional e também aprendi a projetar hardware.

Foto: Chester
Foto: Chester

Quando o Macintosh foi lançado, em 1984, me interessei e trouxe um dos primeiros ao Brasil. Trouxe também ferramentas de desenvolvimento e comecei a fazer pequenos programas para uso próprio. Eu já conhecia o pessoal da Unitron dos tempos de Apple II. Quando o hardware do Mac Unitron já estava praticamente pronto, me convidaram a ajudar com o software, e claro que me interessei.

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2) Como era composta a equipe e qual era a sua função no time?

Creio que eram umas 10 pessoas. Eu era consultor externo, como não moro em São Paulo, e ia pra lá uma vez por semana. Fiz boa parte da “Toolbox” — a parte da ROM responsável pela interação com aplicativos e com o usuário. Outras pessoas fizeram os drivers de dispositivos e as rotinas gráficas. Devo ter feito talvez 30% da ROM; é difícil avaliar hoje. Mais no final, também fui responsável pela ROM de inicialização — o equivalente, na época, ao firmware — e também fui convidado pela SEI (Secretaria Especial de Informática) a preparar um parecer técnico detalhando como havia sido feita a engenharia do software Mac Unitron.

Foto: Chester
Foto: Chester

3) Como foi realizado o processo da engenharia reversa do software?

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Um programador da Califórnia, Steve Jasik, havia desenvolvido um produto chamado MacNosy (”narigudo”) para decodificar a ROM do Mac. Usamos isso bastante, mas também havia outras ferramentas, cujo nome exato não me lembro mais.

4) Como era o processo de desenvolvimento? Quais eram as ferramentas disponíveis? Vocês desenvolviam em qual plataforma?

Era um processo de fazer chamada por chamada do sistema. Para cada uma, eu pegava aquela parte da saída do MacNosy, que era em linguagem Assembler não muito simplificada, e fazia anotações ou alterações para fazer a lógica mais inteligível. Incluía nessa listagem patches (alterações) introduzidas pelo disquete de sistema para consertar bugs ou expandir as funções, e comparava isso com a descrição daquela chamada na documentação da Apple. Então eu recodificava aquela função em linguagem C — tínhamos um compilador chamado Aztec C que era bem razoável. Depois, conferia se o código objeto-gerado realmente executava as funções desejadas.

Foto: Chester
Foto: Chester

Tudo isso rodava no meu Mac 512K. A partir de certo ponto, tínhamos uma ROM que já podia ser testada. Isto era possível, também, porque o Mac Unitron tinha o dobro do espaço disponível de ROM do Mac da Apple. Os programadores da Apple tiveram que usar de muitos truques para fazer o software caber, enquanto que tínhamos espaço para absorver as ineficiências do C e ainda consertar vários bugs direto na ROM.

5) Você viveu o período da reserva de mercado. Na sua opinião, quais foram os prós e contras daquela época?

Acho que foi uma reserva equivocada e inadequada, que não atingiu seus objetivos; especialmente porque pouca gente, na época, entendia os aspectos técnicos ou previa o progresso da globalização. Todos se basearam em indústrias que levaram décadas para se estabelecer e não previram a aceleração da tecnologia digital. Não era viável fabricar chips no Brasil, mas não se podia importar — isso retardou por mais de uma década a implantação de carros com motores injetados, por exemplo. Na empresa onde eu trabalhava, ostensivamente “protegida” pela reserva, precisávamos de um analisador lógico para desenvolver o sistema. O analisador continha um microprocessador, portanto não podia ser importado sem um processo de isenção que levou quase três anos! Como toda a indústria estava nessa situação, a reserva foi um grande fomento ao contrabando.

6) O projeto do Macintosh nunca saiu por interferência governamental. Você pode contar um pouco desta história?

Como eu disse, fiz um parecer técnico detalhando que o projeto era legal dentro dos conceitos, da época, de engenharia reversa. Acompanhei o restante só através de informações de terceiros, mas o que me disseram foi que a SEI fez dois laudos técnicos favoráveis — examinando hardware e software separadamente.

Foto: Chester
Foto: Chester

Durante o processo de aprovação, sob pressão norte-americana, o congresso aprovou a lei 7646 (Lei do Software), que retardou ainda mais as coisas, e o projeto teve que ser refeito e reapresentado. Em 1989, o CONIN rejeitou o projeto. O CONIN era composto de oito representantes da sociedade civil e oito ministros do governo. Sete representantes independentes estavam presentes e votaram a favor do projeto. Sete ministros votaram contra e um se absteve. Diante do empate, valeu o voto contrário do ministro da ciência e tecnologia, presidente da comissão.

7) Qual é a sua opinião sobre os limites legais da engenharia reversa?

Não sou advogado, então isso é apenas uma opinião. No caso Unitron, o mercado brasileiro era fechado à Apple, e ela não tinha registrado patentes aqui. E obviamente a Unitron não conseguiria vender no mercado norte-americano; então era uma disputa mais em cima de conceitos de propriedade intelectual. A engenharia reversa foi feita com total acesso ao original, coisa que hoje em dia não seria aceita; mas dentro do conceito de reserva da época era válido.

Foto: Chester
Foto: Chester

8) E depois do projeto do Macintosh? O que você fez?

Por vários anos, fui diretor técnico de uma empresa que fabricava monitores médicos digitais, que foi até um exemplo de como se poderia desenvolver tecnologia aqui sem copiar ninguém e concorrer com aparelhos importados. Em paralelo, montei um dos primeiros provedores comerciais de internet no Brasil. E claro, sempre dei consultoria e desenvolvi software para Macintosh. Hoje me considero semi-aposentado, mas continuo fazendo shareware para Mac.

9) Você é um dos raros desenvolvedores brasileiros para Macintosh. Como é desenvolver para esta plataforma e como você consegue colocar os seus produtos no mercado?

Acho que o mais importante é visar o mercado global, trabalhar somente pela internet e ficar em contato com a comunidade de desenvolvedores. É necessário dominar o inglês muito bem, claro. Escolhi um nicho de mercado que facilita isso — shareware para usuários de melhor nível técnico e para os colegas desenvolvedores. Vou frequentemente a congressos no exterior e publico vários softwares grátis e/ou “open source”. Tudo isso gera publicidade e reconhecimento pela comunidade. Nada disso adianta se os produtos não forem bem acabados e funcionais. O mercado Mac é muito exigente nesse sentido. A minha tradição familiar é da marcenaria artesanal: meu pai, por exemplo, era especializado em produzir modelos de madeira para fundição que tinham que ser extremamente precisos. Sou o primeiro não-marceneiro da família, mas herdei a obsessão de polir e aperfeiçoar ao máximo os meus produtos. Se precisasse do shareware para sobreviver e dedicasse tempo integral a isso, certamente seria possível — especialmente agora, com o mercado da Apple explodindo em várias direções.

10) A Apple vem aumentando de forma substancial a sua presença no mercado. Você passou pelos altos e baixos da companhia. Como você acha que este novo momento vai mudar a vida dos desenvolvedores? Você já percebe diferenças na adoção dos seus produtos?

Claro que o mercado tende a aumentar, e isso é bom. Para desenvolvedores, os recursos estão sempre melhorando; agora só faço produtos para o Mac OS X 10.5 em diante. Com a linha iPhone/iPod, tem chegado um número enorme de desenvolvedores de outras plataformas, alguns bem principiantes. Acho que os mais adaptáveis destes vão, depois, passar a fazer software para Mac também, e sempre é bom crescer a comunidade. Uma vantagem que levamos aqui é que isto não significa necessariamente maior competição em cima de poucos nichos, e sim grandes oportunidades de colaboração na exploração de nichos novos.

. . .

Unitron Mac 512

Algumas informações técnicas, via OLD-COMPUTERS.COM Museum e corrigidas/complementadas pelo Rainer:

CaracterísticaDescrição
NomeMac 512
FabricanteUnitron (Brazil)
TipoComputador Profissional
OrigemBrasil
Ano1985
TecladoQWERTY completo com 58 teclas
CPUMotorola 68000
Velocidade8MHz
RAM512KB
ROM128KB
Modos gráficos512×342 pontos
CoresMonocromático
SomIdêntico ao Mac 512 original (1 canal)
Dimensões/pesoBem parecidos ao Mac 512 original
Mídia embutidaDrive floppy de 3,5 polegadas (face dupla, 800K)
Sistema operacionalSystem (Mac OS traduzido e adaptado pela Unitron)
PreçoDesconhecido

[Algumas fotos deste artigo são de autoria do Carlos Duarte do Nascimento, mais conhecido pelo seu apelido, “Chester”. A máquina em questão ainda era um protótipo da Unitron.]

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