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Aja como eu espero, ou cale-se: o recado da internet para MKBHD

Bônus: e agora, Ai Pin?

No ano passado, eu escrevi sobre como, apesar da aparente inutilidade do Humane Ai Pin, era empolgante ver uma empresa tentar algo diferente, em vez de ceder à tentação de incorporar uma tecnologia nova em mais um telefone que ninguém iria comprar.

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Lá pelas tantas, eu disse o seguinte:

E que não fique nenhuma dúvida: o Ai Pin é terrível em todos os aspectos. A Humane criou uma expectativa insustentável, fez um anúncio estabanado, deu informações erradas na demonstração e, para piorar, ele custa caro demais. Dito isso, uma coisa também é certa: o Ai Pin é rascunho de um futuro muito promissor e empolgante do mundo da tecnologia.

Isso foi em 11 de novembro do ano passado. Curiosamente, em outro dia 11, mas em abril deste ano, caiu o embargo dos jornalistas que haviam recebido o dispositivo para avaliação à frente do lançamento. Não foi bonito.

David Pierce, do The Verge, relata em sua matéria “Review do Humane AI Pin: passou longe” que, além de o produto não funcionar direito em metade das solicitações, ele é lento demais nas oportunidades em que de fato funciona. Pierce, por outro lado, disse que viu no Ai Pin lampejos de como um futuro assistido por inteligência artificial (IA) pode ser promissor para algumas coisas.

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Joanna Stern, em vez de fazer seu tradicional review aprofundado em vídeo para o WSJ, publicou em suas redes sociais uma sequência de 90 segundos, mostrando, entre outras coisas, como o dispositivo frequentemente superaquece e se desliga.

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Em uma conclusão tão curta quanto seu review, Stern disse:

Eu acho que a Humane tem muitas ideias interessantes aqui, e estou bem animada quanto a vestíveis com IAs aprofundadas que nos distanciarão dos smartphones. Mas esse aqui precisa de um tempinho a mais no formo.

Por fim, MKBHD foi bastante direto em suas impressões:

Infelizmente, eu acho que esse […] é o pior produto sobre o qual eu já fiz um review, considerando como ele é hoje. Há tantas coisas ruins sobre ele, que acho que dificulta um pouco a tarefa de entender sua utilidade.

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Ao longo de todo o vídeo (incluindo no título), Marques Brownlee toma o cuidado de dizer que todos os problemas que ele aponta dizem respeito à experiência dele com a forma como o Ai Pin funciona atualmente. Ele fala de múltiplas formas diferentes que, uma vez resolvidos esses problemas, há promessa no conceito de usar um dispositivo móvel independente do celular e munido de uma IA generativa.

Esse cuidado, porém, não adiantou nada 1Como costuma ser o caso com comentaristas mal-intencionados.. Uma parcela da audiência de Brownlee o acusou de… é difícil definir, dada a burrice das manifestações. Mas algo como: “Você não deveria falar mal dos produtos que avalia. Se a empresa for à falência, a culpa será das suas opiniões tendenciosas e irresponsáveis.”

Ironicamente, Brownlee também costuma ser acusado de ser tendencioso e de ter motivações ocultas quando dá opiniões positivas. Elogiou a Tesla? “Fanboy”. Elogiou a Apple? “É pago”. Elogiou a Xiaomi? “Comunista”. Elogiou o Google? “Tendencioso”.

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Tem gente que é fundamentalmente incapaz de assimilar o conceito de um conteúdo opinativo, e a reação instintiva dessas pessoas costuma ser o ataque. Elas têm sido as maiores responsáveis pelo emburrecimento da web e para a queda cada vez mais íngreme da qualidade e do nível do discurso online. Mas divago.

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Diante da néscia polêmica em torno do review, Brownlee gravou um segundo vídeo explicando o óbvio: a responsabilidade sobre o bom funcionamento de um produto é exclusiva de quem o fabrica. O compromisso de Brownlee é com a sua audiência. Quando a experiência dele com um produto for boa, ele dirá isso. Quando for ruim, também.

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Não cabe (e agora sou eu falando) a Brownlee a tarefa de salvar a reputação de um produto, quando o próprio fabricante não tomou esse mesmo cuidado ao lançá-lo. E dar uma opinião apenas favorável ou apenas desfavorável a respeito de algo não é sinônimo de tendenciosidade.

Aliás, sempre que vejo alguém acusar outra pessoa de ser “tendenciosa”, raramente tenho a impressão de que o acusador compreende o que está dizendo.

Mas o que aconteceu com o Ai Pin, que deu tão errado?

Pois bem. Esta é a pergunta de literalmente alguns milhões de dólares. Para entender o que pode ter acontecido, vale manter duas coisas em mente.

Primeiro, a concorrência está chegando. Produtos como o rabbit r1 (que custará US$200) e o Limitless Pendant (que custará US$100) estão a caminho e, apesar de cada um ter uma visão diferente do que significa ser um acessório com IA embutida para a era pós-smartphone, todos irão disputar na mesma categoria de “o outro dispositivo móvel inteligente do dia a dia do usuário”.

Em segundo lugar, a saúde financeira da Humane pode não estar em grande forma. Quem acompanha as notícias sobre a empresa sabe que ela demitiu 10 dos seus 250 funcionários em janeiro como uma manobra para cortar custos, o que fez alguns se perguntarem se o interesse durante a pré-venda do produto havia sido tão abaixo do que a Humane esperava — vale lembrar que o Ai Pin custa US$700 e ainda exige uma assinatura de US$25 mensais.

Provavelmente há outros fatores envolvidos, mas a pressa para chegar logo ao mercado, aproveitando o hype da IA e mantendo exclusividade sobre o território durante o maior tempo possível, acompanhada de uma luz de reserva ligada na conta bancária da empresa, podem ter desempenhado um papel importante para o lançamento prematuro. Este já havia sido adiado de março para abril, e um novo adiamento poderia esfriar o interesse pela coisa toda.

Em última instância, em uma situação assim, cabe ao dono da empresa, munido de todas as informações disponíveis, optar (ou no mínimo, assumir responsabilidade) pelo lançamento ou por um novo adiamento do produto. A menos que a Humane tenha um daqueles ambientes em que seja proibido contrariar a fantasia de um CEO 2Chief executive officer, ou, diretor executivo. com a realidade de más notícias, o executivo Imran Chaudhri tomou a decisão de manter a data de lançamento do Ai Pin sabendo das suas deficiências, possivelmente acompanhada de uma pressão do tipo “vocês têm até o dia tal para resolver todos os problemas, e é isso aí”. Talvez não seja uma coincidência que o diretor de tecnologia da empresa também tenha deixado o cargo no início do ano.

É o fim para o Ai Pin?

Espero que não, mas acho que sim. (Rima não intencional.)

É uma pena que o primeiro hardware de relativo destaque fora do universo dos smartphones e dentro do universo dos LLMs 3Large language models, ou, grandes modelos de linguagem. tenha deixado uma primeira impressão tão ruim, provavelmente irreversível. E é uma pena maior ainda ver o desserviço que a Humane fez ao facilitar a perpetuação da ideia de que não há vida após o smartphone — e, de fato, talvez não haja.

Mesmo que daqui a alguns meses a Humane já tenha resolvido os problemas de lentidão, de falta de funcionalidades básicas, de superaquecimento, de pouca autonomia da bateria, de dificuldade de visualizar a projeção a laser na palma da mão em ambientes muito claros e do peso que ele exerce na roupa dependendo do material, o Ai Pin dificilmente voltará a fazer tanto barulho quanto ele teve a oportunidade de fazer no lançamento. Para a maior parte das pessoas, elas já ouviram falar sobre o Ai Pin pela última vez.

Isso sem mencionar o preço, que chega a ser proibitivo até mesmo para os americanos. Mesmo que a Humane corte a etiqueta do Ai Pin pela metade(!), ele ainda será bem mais caro do que seus primeiros concorrentes mais imediatos (que por sinal, já prometeram que não cobrarão mensalidade).

Em meio a isso tudo, algumas pessoas vêm fazendo uma provocação interessante: será que se o Ai Pin teria dado certo se ele pudesse se conectar ao iPhone para fazer parte do processamento?

É claro que o contraponto aqui (onde eu me enquadro) é questionar o quanto tem que ser responsabilidade da Apple garantir que os produtos de outras empresas deem certo. Neste caso, será que um Ai Pin (ou algum outro produto munido de câmera e IA) da Apple teria dado certo como alternativa ou complemento ao iPhone? Ou será que a necessidade de se conectar ao iPhone para fazer algo que o iPhone também conseguiria fazer sozinho mata o propósito de tudo?

Uma coisa é fato: a verdade é que a Humane teve a sua chance, e infelizmente a desperdiçou. Mais do que isso: ela surgiu prometendo que iria libertar a humanidade da dependência dos smartphones, e pode ter mostrado que a maior dependente, na verdade, era ela.

Notas de rodapé

  • 1
    Como costuma ser o caso com comentaristas mal-intencionados.
  • 2
    Chief executive officer, ou, diretor executivo.
  • 3
    Large language models, ou, grandes modelos de linguagem.

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