O melhor pedaço da Maçã.

Halex bodejando: achado não é roubado [atualizado]

MacBook branco visto de cima

(Este texto é uma obra de ficção: qualquer semelhança com pessoas ou fatos reais é mera coincidência. De qualquer forma, deixo aqui meus votos sinceros para que nada parecido com isto aconteça com você. ATENÇÃO! A leitura deste texto pode provocar peso na consciência!)

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Era uma vez dois irmãos, o João e o José. Eles tinham, respectivamente, 23 e 20 anos de idade. O João, depois de ralar pra caramba e juntar uma boa grana, comprou seu primeiro Mac, um MacBook branco, usado e já antiguinho, mas em bom estado e pronto para receber uma instalação do Snow Leopard. Para acessar a internet e fazer trabalhos da faculdade (inclusive sua monografia), o MacBook do João era um sonho. O José, enquanto isso, continuava usando o PC com Windows XP que tinham desde 2005 em casa — não era uma máquina pronta pra rodar Crysis, mas dava conta de tudo otimamente bem.

MacBook branco visto de cima

Um dia, o José, que também era universitário, teve que fazer uma apresentação na faculdade. Ele usou o Impress para criar slides muito bonitos, mas tinha um pequeno problema: ele não conseguiu reservar o data show e o notebook da faculdade, apenas o primeiro. Como levar o PC no ônibus?… Foi aí que seu irmão mais velho veio ao salvamento: “Eu também instalei o OpenOffice no Mac, Zé. Você pode levá-lo e salvar sua apresentação no meu usuário, mesmo.”

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José ficou felicíssimo! A apresentação foi um sucesso e, depois da aula, seu grupo de amigos quis comemorar o fim do semestre num barzinho ali perto. Claro que ele não ia levar o MacBook do irmão sem pedir autorização! “João, tudo bem se eu der uma passada com o pessoal no bar aqui em frente à faculdade?” “Claro, Zé: mas tome cuidado, por favor!” A comemoração foi divertidíssima! José voltou pra casa contente e leve.

Leve até demais.

Depois de quase ter um ataque do coração, José desceu depressa do ônibus e correu para o bar onde estivera há pouco. Nem sinal da case com o MacBook do João. Perguntou ao pessoal do bar: nada. Alguém encontrou a bolsa esquecida ao pé da mesa e a levou! José estava lascado.

Na mesma noite, João recebeu a notícia com relativa calma. “Tudo bem, eu não tenho Time Machine, mas meus arquivos mais importantes estavam no Dropbox, então, na pior das hipóteses, o dano não vai passar de um prejuízo financeiro.” É, se os irmãos tivessem um orçamento mais folgado, bem que poderiam ter um HD externo e uma conta no MobileMe… Mas cada um se vira como pode.

Agora um detalhe que deixou João acordado durante a noite: ele não protegera seu usuário com senha, pois achava chato ter que digitá-la sempre. Temendo pelo estado da sua monografia, o jovem correu para o PC e acessou o site do Dropbox, onde pôde facilmente desautorizar o acesso vindo de seu MacBook. A monografia estava salva: restava rezar para que o arquivo fosse simplesmente apagado e que ninguém mexesse nele.

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No dia seguinte, José ainda não tinha perdido as esperanças: voltou ao bar, onde mais uma vez lhe disseram que nada foi encontrado; perguntou pela faculdade, ninguém viu nada. Não levou muito tempo para a história já começar a circular pelos corredores: “Um mané esqueceu um notebook no bar aqui em frente e agora espera que quem o achou devolva!” José chega se encolheu de vergonha.

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Uma semana depois, os dois irmãos estavam numa praça de alimentação quando viram um MacBook branco com uma marca muito familiar acima da maçã: um retângulo largo, como se fosse a marca de um adesivo. Um rapaz o carregava e os irmãos o abordaram educadamente. “Cara, desculpa a pergunta estranha”, João disse, “mas onde você conseguiu esse MacBook?”

“Um cara que encontrou esse computador num bar que vendeu”, ele respondeu. “Foi baratinho, mas é bom que só.” João então contou a história toda e complementou, dizendo que, além do adesivo removido na tampa, havia um outro sob a bateria, com o nome dele escrito. (Nessa hora José deu graças a Deus por aquele não ser o modelo de MacBook mais novo!) Bastou virar a trava com uma moeda, remover a bateria e estava lá: o adesivo era exatamente como João o descrevera.

“Ah, ok: se você me der o dinheiro que paguei por ele, eu devolvo”, o rapaz que estava com o Mac disse. João ficou sem ação. Como que para responder ao olhar incrédulo dos irmãos, o jovem disse, com raiva, “O quê?! Vocês querem que eu fique no prejuízo? Eu paguei por esse notebook, e o cara que me vendeu não roubou de ninguém.” E virou-se para José, “Otário foi você, que o esqueceu no bar”, então virou-se para João, “e você foi mais idiota ainda, por ter deixado esse babaca ir pra farra com seu méqui precioso.”

Um segurança do shopping, vendo os ânimos se exaltarem, aproximou-se para saber o que estava havendo. Os três contaram a história toda. O rapaz com o MacBook, porém, complementou, “Eles estão me chamando de ladrão, mas este computador não foi roubado: ele foi achado, e eu paguei por ele! É beeem diferente.”

“Nós vamos à Polícia, se você quer saber!”, José disse, exasperado. O segurança então retrucou, calmamente, “Pra que isso, garoto? É só vocês ressarcirem o rapaz e ele devolve o computador! Não precisa criar confusão.” “Mas eu não vou pagar por algo que é meu!”, João disse, aviltado. “Você vai fazer esse rapaz ir preso só porque vocês não souberam cuidar direito do computador? Ah, tenham vergonha na cara!”

Os irmãos saíram cabisbaixos e resolveram não ir à Polícia, pois já estavam estressados demais. O rapaz que comprou o MacBook de João contou pra todos os seus conhecidos, via Orkut, o quanto foi “agredido e humilhado” pelos dois irmãos, recebendo apoio em massa. Uma das mensagens dizia que João e José “deveriam ser presos por idiotice extrema”. 😛

Moral da história: não importa quem é a vítima ou quem é o criminoso; quem leva a melhor tem razão, quem leva a pior é otário. Pedir socorro a um órgão competente do Estado, porém, piora a condição de otário do otário.

Um mês depois dos eventos aqui narrados, João viu seu nome ir parar no SERASA, pois usaram seus dados pessoais para fazer empréstimos. A monografia dele não pôde ser defendida, pois foi vendida para outro acadêmico, que a publicou antes. João foi acusado de plágio e não conseguiu se livrar dessa acusação, pois não tinha um boletim de ocorrência — motivo pelo qual foi novamente chamado de “otário” e “babaca”.

Moral da história: proteja-se com uma senha e, se algo assim ocorrer com você, procure a Polícia!

· · ·

iPhone perdido no barSe você não entendeu a razão deste post, eu desenho: muitas pessoas estão revoltadas com a Apple, por ela ter procurado a Polícia para investigar o caso do protótipo de iPhone. É fácil apontar o dedo na cara de uma pessoa jurídica e gritar “Seus nazistas que querem acabar com a liberdade de expressão!”, mas colocar-se no lugar de alguém que foi vítima de um crime ajuda a entender por que chamar a Polícia não é, como dizer?… algo tão digno de um capítulo de 1984. Para ajudar nesse exercício de empatia, eu escrevi essa historinha — a qual não reproduz cada detalhe do que houve com a Apple, mas chega bem perto, creio.

E, pra fechar, trago este parágrafo de uma análise muito ácida (e precisa), assinada por Daniel Eran Dilger:

E então, o que acontece se você achar algo que não lhe pertence? Bem, pra começar, você pode ser um herói e devolver para o dono, em vez de caçoar dele em público por ter perdido a coisa enquanto a levava por aí. Mas se você, por acaso, topar com um protótipo secreto quente, você pode querer tirar um monte de fotos e então tentar vendê-las (o que não é ilegal), em vez de repassar a mercadoria roubada (o que é ilegal) e então tentar mascarar tudo como se você estivesse fazendo algum esforço de boa fé para oferecer posse exclusiva a um veículo de mídia que poderia devolver o protótipo por você. Porque é um crimezinho amador desses que vai te deixar com problemas até o pescoço.

One more thing! Antes de sair por aí dizendo que “Achado não é roubado, pronto e acabou!”, eu recomendo uma lida com atenção e carinho no Código Civil brasileiro, artigos 1.233 a 1.237, e no Código Penal, artigo 169 [obrigado ao @dreamsandbooks por esta dica!]. Não é nada complicado de entender, eu garanto.

And that, as they say, is that.

Atualização (29/4)

O assunto dá o que falar, não é? Bem, vamos falar mais um pouquinho. 🙂

Entre pesquisas e conversas com professores e colegas, cheguei a algumas conclusões que poderão ser relevantes ou não ao caso do iPhone esquecido no bar — isso vai depender do quão consonantes forem as leis penais brasileiras e do Estado da Califórnia. Mas, já que estamos no Brasil, vamos falar de Brasil:

  1. O Gizmodo não necessariamente teria cometido o crime de receptação, ao comprar o iPhone. De forma análoga a não se poder falar em “furto de uso” (i.e. um mecânico usar o carro de um cliente, sem autorização, para passeio) por não haver a finalidade de tomar o objeto para si, a aquisição do protótipo não teria sido com a finalidade de ter a posse definitiva dele. Não poderíamos, pois, falar em receptação propriamente dita.
  2. Quem o encontrou, porém, dificilmente se livraria de um processo por apropriação de coisa achada (Código Penal, art. 169, parágrafo único, inciso II) — argumentar que não houve venda, mas “cessão de exclusividade com o fim de devolver o objeto” é esticar um pouco demais a realidade. Veremos até onde isso vai.
  3. Contudo, alegar a proteção ao sigilo da fonte (dispositivo que existe tanto aqui quanto na Califórnia) pode ajudar a proteger quem encontrou o iPhone. “Pode”, pois há diferenças entre, digamos, revelar um escândalo de corrupção no governo ou um esquema de sonegação de impostos numa empresa, e expor publicamente segredos industriais ou íntimos. A interpretação definitiva desta situação, porém, vai ficar a cargo das cortes dos EUA — até mesmo porque a opinião pública está bem dividida.

Por fim, não, a história acima não é exatamente igual à do protótipo de iPhone, mas eu deixei isso bem claro. Contudo, ela serve apenas para alertar que chamar a Polícia não é um ato vil e que não é certo botar a culpa nas vítimas de um crime. Dizer que a Apple errou ao deixar o iPhone sair de suas instalações ou que o engenheiro é que deve ser processado é o equivalente a chamar os irmãos da historinha de “manés”. Quem disse nos comentários que eles foram “idiotas” ao não procurar as autoridades está coberto de razão — por que seria diferente no caso da Apple? Se a apreensão dos computadores de Jason Chen foi abusiva/ilegal, aí é algo pelo que o juiz que a autorizou deve responder, e não a Apple — a não ser que ela tenha “comprado” o mandado de busca e apreensão, caso no qual eu vou ser o primeiro a criticá-la severamente e invocar a memória de George Well.

Ufa! Esse assunto dá pano pra manga. Só pra lembrar (e servir de CYA): não sou advogado e estas informações são apresentadas a título ilustrativo, para alimentar a discussão (que, por sinal, está ótima!), não devendo ser encaradas como conselho legal e não devem substituir a orientação provida por um Bacharel em Direito devidamente matriculado na OAB.

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